quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Inquietude

"Quieto, menino! Desse jeito vai se machucar!"
Quem é que nunca ouviu essa frase antes?
Quem é que não teve infância e, com ela, a inquietude
de tudo descobrir a cada detalhe de instante?
Como ficar quieto diante das nuvens, dos muros,
da página em branco?
Como parar diante de um mundo inteiro
a ser desbravado, como não descobrir países
e continentes dentro de si?
"Quieto, menino." Se já não pára agora,
nem um segundo, o que vai ser
quando não for mais criança -
tampouco gente grande, porém?
Mais inquietude te espera do alto das suas espinhas,
dos seus hormônios, do quarto trancado.
Infinita inquietude de viver o sim, o não,
as agruras da transição.
Inquietude de não concordar com o mundo,
de dar mergulhos no escuro,
de colocar o verbo amar numa prisão.
"Quieto, menino". Daqui a pouco você arruma barba,
trabalho, mulher, filhos
e a inquietude que te move desde sempre.
Pra onde? Como? Pra quê? Até quando?
Não sei, menino. Só sei que a inquietude é grande,
de uma grandeza imensa que ensina a gente
a se encontrar.
Até lá, não tem jeito: a gente machuca, tropeça, desencanta, anda e desanda.
Muitas vezes dá voltas e mais voltas
até achar a chave da prisão.
E quando chegar a hora, no tempo certo,
quando a luz se apagar,
a inquietude descobre que pode finalmente se aquietar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Achados e perdidos

Perdeu o convite, o brinco, o brilho nos olhos.
A chave, a memória, o bonde da história.
A senha, a resenha, o rumo de casa.

Perdeu o ônibus, a fé, o sono.
Os óculos, monólogos, binóculos.
A esperança, o sol, bonança.

Perdeu tudo o que tinha para não perder a cabeça.

Ganhou colo, copo de água, poesia.
Xícara de chá, sofá, sentido.
Identidade, segunda via, rio.
Riu quando se viu perdidamente achada na vida.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Unidunitê

Quando eu fiz nove anos minha mãe me colocou no inglês. Uma das primeiras coisas que aprendi foi a parlenda "unidunitê", e daí em diante não parei mais. Ia pra aula happy da vida, as aulas mais pareciam terapia de grupo. A gente conversava sobre everything, e no final ainda cantava as paradas de success. Deve ser por isso que andam me "elegendo" (menos, Renata, menos) na família como cantora do ano. Não posso ver um microfone que vou logo desafinando um "I was born to love you!...". Esse feriado comemoramos o aniversário da minha querida sobrinha Luciana lá no sítio e eu arrasei de Nat King Cole, com um caprichado "Unforgettable... that´s what you are...".
Bom, mas tudo isso pra dizer que nem sempre a história é "tal mãe tal filho". O Léo está no inglês, mas não morre de amores por ele. Andou me cantando inclusive pra sair, e eu rasgando o meu português:
- Mas filho, inglês é muito importante. É uma língua universal,o mundo todo fala...
- Mas, mãe, e por acaso as pessoas que moram nos Estados Unidos têm que falar português?!
(...)
Ok, all right, let´s go, desabafo registrado. Um pouco de ufanismo não faz mal a ninguém. Mas trata de abrir o book porque semana que vem tem prova. E nada de fazer unidunitê na hora de marcar a opção correta, hein?
Love you.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Palhaço também é gente

Se você ainda não assistiu "O Palhaço", do talentoso Selton Mello, dê um "pause" na leitura e vá se emocionar com esse filme que é cheio de poesia e graça. Depois voltamos a conversar, que é pra não estragar a surpresa.
Se você já assistiu, ajeite-se bem na cadeira e vamos lá, prosear sobre a vida. A vida sobretudo de um palhaço profundamente triste, esvaziado de alegria, a despeito de ser palhaço. (É. Acontece. Palhaço também é gente.)
Poderia gastar dez posts discorrendo sobre o talento desse moço que é tão competente naquilo que faz. Mas falando agora como psicóloga, e não só espectadora, confesso que fiquei impressionada com o tanto de tristeza que ele conseguiu passar pela tela. Uma tristeza pungente, doída, dessas que pesam a alma como se ela carregasse pedra. E agora não vou falar nem como psicóloga nem espectadora, mas ser humano simplesmente, reles mortal que também tem os seus dias de tristeza. Nunca vi um sentimento ser transmitido de forma tão fidedigna e contundente. Tristeza contagiante, paralisante (em alguns momentos paralisava até a minha mão dentro do saco de pipoca).
O detalhe lindo do filme é o nome do circo: Esperança. Parece um detalhe bobo, simples, mas cheio de sentido para um palhaço que não dava mais conta de fazer o público rir ("E quem é que vai me fazer rir?", pergunta ele uma hora). Movido pois pela esperança de ver essa tristeza se transformar em alegria - alegria de viver, pura e simplesmente - Pangaré deixa o circo pra trás e vai em busca da vida. Da sua vida, que fique bem claro. Leva no bolso a certidão de nascimento amassada (única referência oficial dele mesmo) e trata logo de fazer sua carteira de identidade, tão fundamental pra se apresentar ao mundo e poder dividir em fraternas parcelas o sonho do seu primeiro ventilador. Ventilador que gira, refresca, que seca o suor do trabalho e lembra que o mundo é redondo e dá voltas - voltas que majestosamente surpreendem o público no final.
Mais do que um documento plastificado com número, foto e impressão digital, Pangaré estava em busca do que nós também buscamos construir, cuidar e amar uma vida inteira - nossa identidade.
Com doçura e encanto, poesia e canto, nosso querido Palhaço nos ensina o que eu tanto acredito: a vida tem uma capacidade maravilhosa de transformação.
A plateia pede bis.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O amor por ele mesmo

Amor. Amar. Amei. Amém.
Não falo do amor de novela das oito ou dos filmes de Hollywood. Não. Nada de lenço, óculos cor-de-rosa, água com açúcar ou beijos molhados. Falo do amor que transcende tudo, que reúne todas as virtudes - delicadeza, compreensão, paciência, zelo, generosidade, temperança, fidelidade. Do amor que diz não, que cuida de tudo que é dor, que não aceita o que vai na direção contrária do amor.
Amor dos afetos e dos desafetos. Amor da sua vida e amor que você tem pela sua vida. Amor que reside num copo d´água, num bom dia nublado ou ensolarado. Amor que vira a página, machuca e cura, silencia e ao mesmo tempo rege uma orquestra sinfônica dentro da gente. Porque gente foi feita pra amar. Pra fazer do amor um presente, um hino, uma celebração sem necessariamente motivo pra comemorar.
Amor da onde você veio. Pai, mãe, por mais imperfeitos que sejam. (Você também é.)
Amor que não tem por quê, mas pra quê, sentido de toda uma existência.
Amor que convida a amar de agora em diante e sempre, aprendizado que se eterniza numa completa ausência de fim.