segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O olho do dono


Sempre tirei o chapéu para os corajosos desbravadores que um dia decidiram abrir uma empresa e fizeram dar certo. Não falo apenas em números, cifras ou ranking de mercado. Falo da empresa que tem do outro lado do balcão um consumidor feliz da vida pela relação estabelecida. Que seja uma padaria, uma floricultura ou companhia aérea, nada melhor que um cliente satisfeito, garantem os especialistas em marketing.
No frigir dos ovos, estamos falando de gente, um dos meus assuntos prediletos. De um lado do balcão, gente que acreditou, sonhou, trabalhou muito para que tudo desse certo; do outro lado, gente encantada com o que recebeu em troca; gente que pede, repete e fala bem da marca para os quatro cantos do mundo. Isso é que é case de sucesso.
Se falar de pão, flor e avião já dá assunto pra mais de hora, imagina quando o assunto é hospital. De um lado o doutor, a anestesia, o soro, a frequência cardíaca; de outro o paciente, a dor, a queda de pressão, o alívio da alta.
Vivi bem de perto esta relação na quarta-feira passada. A paciente, eu. O hospital, Biocor (faço questão da propaganda). O motivo, um cisto no ovário, herança familiar que já premiou quatro mulheres da minha doce linhagem materna - avó, mãe, irmã, prima e agora eu, não podia ficar de fora.
É claro que a gente fica fragilizada. Se é de carne e osso vai sentir dor, medo, susto, especialmente quando lê o termo de consentimento da anestesia. Pior do que bula de remédio. Até a gente entender que faz parte, que a herança é bem-vinda, que os médicos fazem isso de olhos fechados e que a videolaparoscopia foi a melhor invenção dos últimos tempos.
Mas melhor do que a técnica e competência da equipe foi o atendimento acolhedor, humano e afetivo que recebi por lá. Enfermeiras sorridentes, cuidadosas, educadas. Tinha uma com um humor digno de "doutores da alegria", uma graça só.
- Me faz rir não, Gislene, minha barriga vai doer.
Comentando com a minha mãe da nobreza do atendimento, ela falou que só podia ser coisa do dono. (O famoso olho do dono, nesse caso coração melhor se aplicaria.)
- Isso é o Doutor Mário, minha filha, que há anos cumpre o ritual de rodar o hospital inteiro, indo de quarto em quarto só para dizer umas poucas palavras:
- Paz e alegria!
Não demorou muito bateram na porta do apartamento 730.
Era o próprio, com a melhor cara do mundo, sorriso iluminando o rosto. Abriu e fechou a porta em menos de dois minutos, mas disse o essencial:
- Muita luz para vocês! Está faltando alguma coisa?
- Nada não, Dr. Mário, só um ovário...

domingo, 12 de janeiro de 2014

MP o quê?


Enfim, férias. Escolha o destino, arrume as malas e bye-bye rotina.
Olha o picolé! Olha o queijinho assado na brasa! Camarão no capricho, tá servido? Água de coco gelada, sombra e água fresca, quem vai querer?
Eu quero. Ah, meu Deus, como eu mereço. Estender a canga na areia, pensar em nada, grudar no meu livro da Martha Medeiros e ouvir o barulhinho do mar.
Barulhinho do mar tá em falta. A música da barraca tá alta, um tchê tchererê só.
- Ô, amigo, pra essa sua barraca ficar perfeita, tinha que ter uma MPB...
- MP o quê?
E assim caminha a nossa querida música popular brasileira. Sem voz, ruidosamente abafada pelo animado ritmo do sertanejo universitário, funk ostentação e outras baladas mais.
Longe de mim cortar o barato de quem adora um tchu, um tcha, dependendo da dose e do momento vá lá.
Mas só isso? O tempo todo? No último grau? Acho que estou ficando velha.
Tudo por uma Marisa Monte, um Djavan, um Chico Buarque ensolarando ainda mais o meu verão.
"E por falar em saudade", onde anda Rita Lee, Caetano, Gilberto Gil?
Fecho os olhos e escuto, na minha imaginação nostálgica, Legião, Engenheiros, Paralamas. Isso é que é parada do sucesso. E num volume decente, que é pra não atrapalhar a música que vem do mar.
Abro os olhos e vejo minha filha batendo a mãozinha debaixo do queixo e cantarolando "Você vai ficar ba-ban-do." Começa outra música no talo e me lembro de uma sobrinha que daria tudo para estar aqui requebrando no mesmo ritmo. (Acho que ela não vai gostar nada deste post.)
Comento o assunto com o meu marido, digo que vou escrever sobre isso no blog. Ele diz que estou coberta de razão mas música não se discute, cada um na sua, por ele a barraca só tocava o hino do Galo.
E já que rir é o melhor remédio (vitamina “R” na veia, desopila o fígado e faz bem ao coração), vamos que vamos. Apelidei o moço da barraca de deejay e disse a ele que vim de longe pra comer o melhor peroá com farofa do mundo, mas com fundo musical à altura.
O danado é esforçado e não quer perder a freguesia, deu seu jeito e fez o melhor que podia: botou a Paula Fernandes pra tocar.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Paradoxos


Recém Feliz Ano Novo. Novinho em folha, página em branco pronta para virar história. Cheirando à paz, realização, amor, alegria, esses desejos comuns, nossos velhos conhecidos, mas especialmente habilitados em alterar nossos batimentos cardíacos.
Faz uma semana que o mundo parou para encher de luz o seu 2014. Vide os fogos, beijos, abraços, pedidos, promessas, taças tinindo à meia-noite. Saúde.
Por um instante, como que por encanto, é como se o mundo realmente parasse. Altas, pausa, carta branca. (Lembra das brincadeiras de infância?) O calendário vira e estamos todos imunizados contra toda e qualquer coisa contrária a esta energia contagiante que move a gente. Vetada a tristeza, a reclamação, o queixume e azedume, essa dupla pra lá de imperfeita. Isola, bate na madeira, fé no coração e samba no pé. Doze uvas, doze pulinhos, capricha no arroz com lentilha. Alegria, entusiasmo, endorfina, o ano está só começando. Tim-tim.
Mas aí, num paradoxo imenso, desses que não estavam no script, algo vem rabiscar a beleza dessa página em branco.
Contrastante com o adjetivo que costuma acompanhar o Ano Novo, tristeza. Dor. Vazio. Luto.
Pra muita gente sumiu o sol, escureceu o céu, desmoronou o chão.
Em pleno começo de um Feliz Ano Novo, alguém querido morreu. O casamento acabou. A casa caiu. A relação ruiu.
Notícias ruins enchem a pauta dos jornais e esvaziam o peito outrora cheio de esperança.
Fora as grandes tragédias, os pequenos dramas: conversas atravessadas, discussões por bobagens, tons de voz alterados e foi-se embora aquele tanto de paz que te desejaram no dia 31.
Paradoxos de Ano Novo. Ou seriam da vida?
Vida que é feita de sol e chuva, nascer e morrer, amar e sofrer, apagar e acender.
Por mais paradoxal e doloroso que seja, deve haver algum sentido. Haja coração, eu sei. Haja entendimento, paciência, resignação, força para levantar do chão, se é que ainda resta chão.
Respira fundo, enxerga luz nas suas crenças, chora o choro que lava a alma, marca encontro com Deus, vive o luto porque é dele que vem a luta. Uma troca de vogal e tudo muda, mesmo que a duras penas.
Para você que começou 2014 faltando um pedaço, meu desejo sincero, esperançoso, de que não falte luz, amor, força, serenidade e sabedoria na sua travessia. Que você possa seguir em frente, apesar de.
Para você que virou a página como deveria ser, que a inspiração cresça e floresça, mesmo com todos os espinhos que possam surgir no caminho.
Desfrutar dos momentos felizes e aprender a conviver com os infelizes, é bem por aí.
Com todas as letras, vírgulas, interrogações e exclamações, é dentro da gente que se escreve um Ano Novo de verdade.