terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tédio

Semana passada levei o Léo à oftalmologista para um check-up de rotina. Na sala de espera, o pequeno paciente teve que ter paciência: pinga colírio, arde um bocado, espera um pouquinho, pinga de novo, arde mais um bocado, aguarda até ser chamado pra entrar.
Peraí. Paciência? Para um menino em plenas férias escolares, que deixou o coleguinha em casa jogando playstation até ele voltar? Ah, é mesmo pedir demais.
As pupilas foram dilatando e a tromba também, proporcionalmente. Visivelmente cabreiro, mal-humorado, o pequeno me solta essa:
- Mãe, quero ir embora...
- Calma, meu filho, já já você vai entrar.
- Tô com tédio...

Passado alguns minutos (talvez os mais tediantes da sua vida), ele finalmente adentra pela sala da Dra. Daíse.
Depois de olhar para a parede e falar uma porção de letrinhas miúdas, a única palavra que passou a não existir mais era tédio. Esse sentimento acinzentado se transformou rapidinho em alegria quando ele soube que finalmente ia precisar usar óculos.
(Vai entender.)

Numa hora dessas o Léo já deve até ter esquecido o que é tédio. Desde sábado ele está se divertindo na machané (acampamento judaico) com os amigos da escola, o que inclui banho de piscina, chuva, lama; brincadeiras, noite do terror, gincanas.
O detalhe é que não pode levar celular, para desespero de "algumas mães" que nunca passaram um dia sequer sem falar com o filho. A ideia é mesmo criar nos meninos toda uma ideia de desprendimento, autonomia, desapego.
Nada mais saudável, eu sei. Saudável saudade, esta é a verdade...
Léo, a gente tem certeza de que você tá aproveitando como se estivesse na Disney.
Mas que a casa fica o maior tédio sem você, ah isso só sendo cego pra não ver...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Livro de vida inteira

Tenho me encontrado com Martha Medeiros todos os dias. Cada página de "Feliz por nada" é um pouquinho dela que fica em mim, fazendo-me acreditar que essa tal de sintonia realmente existe.
Além do jeito lindo de escrever, Martha Medeiros encanta com o conteúdo de cada crônica.
Fiquei presa "Dentro de um abraço", ouvindo "Sons que confortam", pensando na "Melhor coisa que não me aconteceu", me deliciando com "Beijo em pé".
Algumas crônicas já estou recomendando de "para-casa" para alguns clientes no consultório. Destaque para "Amigo de si mesmo", em que a vida ganha um outro contorno a partir do momento que você "se amiga" com você mesmo. Injeção de auto-estima na veia.
Para aumentar a sintonia, descobri no livro que a Martha foi, assim como eu, publicitária. E, se ainda não virou psicóloga, tem com certeza um pezinho nesse chão fértil das relações humanas. Suas percepções, sua autenticidade são um verdadeiro presente pra gente. Seu livro, mais que um ótimo passatempo nos dias de chuva (e também sol, praia, lua) é um convite ao pensar. Não só o pensar das sinapses nervosas, mas especialmente das artérias que percorrem o coração.
"Feliz por nada" é desses livros que a gente "entra" de um jeito e "sai" de outro, maior e melhor eu diria.
Cada crônica que eu leio é uma conversa boa que tenho com Martha Medeiros. Silenciosa e entusiasmadamente concordo com ela em gênero, número, grau, emoção e pensamento.
Vou além da sintonia e me atrevo a dizer, mesmo sem nenhuma comprovação científica ou teste de DNA, que a minha alma é prima da dela. E esse "parentesco" me enche de inspiração; não só para escrever, mas viver. "Feliz por nada" e também por tudo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

"Noite de Ano Novo"

Tá bom, tá bom. Sei que desembestei a falar de cinema, mas não resisto à tentação. É que a questão náo é bem o cinema. É o tanto de vida que se desenrola ali na telona, acústica perfeita de "eu te amos", "te perdôo", "olás", "adeus", "Feliz Ano Novo".
Então é noite de Ano Novo em Nova York. Precisa falar mais alguma coisa? Ou você quer que eu chame o Frank Sinatra pra gente dar uma palinha? "It´s up to you, New York, New Yooooooork!..."
Sim, o filme é cheio de música, emoção, atores de peso (destaque para Robert De Niro e Michelle Pfeiffer, que quase não reconheci), paisagens de cartão postal, fogos de artifício e pequenas pitadas de clichê. Mas o que seria o Ano Novo senão um belo, grande e esperado clichê? Constatação entusiasmada (ou não, na versão dos mal-humorados de plantão) de que a vida continua, vira a página, começa um novo capítulo. E que pode começar de um jeito diferente, sem promessas em vão, ditas para o vento, mas com uma nova paisagem dentro de você. Paisagem feita de paz, alegria, amor, esperança, sucesso, realização. Mudanças silenciosas, majestosas, que para você farão todo o sentido.
Você pode ganhar na Megasena. Arrumar um namorado. Mudar de emprego. Dar a volta ao mundo. Ir pra Bali, Cabo Frio ou Milão. Mudar, casar e não me convidar.
Mas a realização que falei lá em cima não tem necessariamente que estar em projetos grandiosos, extraodinários ou radicais. Pode ser algo pequeno, sutil, mas suficiententemente grande para transformar a sua paisagem interior. Sol no lugar de neve, flores para um jardim árido, chuva para irrigar os seus desertos.
Feliz Ano Novo. (Um pouco antes da hora, eu sei, mas já inteiramente no clima depois desse filme delicioso.)

domingo, 4 de dezembro de 2011

Pipoca com pimenta

Apaixonada por cinema que sou, corro pra fila quando há um bom lançamento ou pra locadora quando ele já saiu de cartaz. (Sim, os filmes costumam sair logo de cartaz quando se é mãe, profissional, mestranda, dona de casa...).
Semana passada fiz as duas coisas: aluguei "O Concerto" e vi na telona todo o talento de Almodovar em seu mais recente "A Pele que Habito".
Recomendo os dois, sem pestanejar.
"O Concerto" nos envolve com a sua graça, emoção e a beleza orquestrada por Tchaikovsky.
"A Pele que Habito" nos cobre de suspense e adrenalina com a sua trama psicológica tão inusitada, supreendentemente arquitetada. (Acordei no dia seguinte com as cenas na cabeça.)
Os dois têm em comum, apesar de estilos tão diferentes, a vingança como tema. No primeiro, a vingança que nasce por acaso, pela interceptação de um fax, movida pela paixão e pelo brio, pelo brilho nos olhos que ilumina uma causa nobre. (Nobríssima.)
No segundo, a vingança vem perfeitamente de encaixe, desencaixando tudo, violentamente proporcional a uma dor doída de morrer.
Seja pela audição ou tato, a vingança se faz ouvir em alto e bom som; e é tão vingativa que dá até pra pegar. Em ambos os casos, tem pimenta pra arder os olhos; e está longe de ser um prato que se serve frio.