terça-feira, 29 de junho de 2010

Noites em claro

Ontem tive mais uma agradável aulinha com o meu professor Hallen, "americano da gema", pra desenferrujar o inglês que ficou um tempo parado. Levei um texto do New York Times pra gente ler, sobre insônia, e ele me contou que coincidentemente sofre deste problema. Como mora na Avenida Afonso Pena, sua distração é ir pra varanda ver o movimento, os carros, o cair da madrugada. De tanto ficar com os olhos e ouvidos abertos, acabou fazendo uma interessante "pesquisa de campo", e compartilhou comigo suas conclusões:
*Do lado direito da avenida, no sentido de quem desce, o ponto é dos travestis.
*Do outro lado, subindo, quem manda são as mulheres. Tudo bem dividido.
*Do lado direito se vê muito mais "mulherão" do que no lado esquerdo. Cada loira de cair o queixo.
*Do lado esquerdo volta e meia param Unos, Celtas e outros carrinhos básicos.
*Do lado direito, a parada é dos Corolas, Citroens e outros carrinhos sofisticados dirigidos por bem-vestidos homens na faixa dos 40.
* Os quarentões preferem "conjugar seus verbos" na voz passiva, deixando os travestis na ativa.
(...)
Fico imaginando o que pensam e sentem esses homens na "idade do lobo", geralmente casados e com filhos.
Desejo? Curiosidade? Fetiche? Ambivalência? Falta? Necessidade?
Já estudei no mestrado a dor e angústia daqueles que não aceitam o sexo que têm. Mas qual seria a dor e angústia destes bem-sucedidos homens engravatados, casados, viajados e insones, que batem ponto de madrugada?
Talvez nem dor nem angústia. Prazer.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

"Hoje eu `torço` assim"

Ela é toda prosa, essa menina. Um pingo de gente e com uma personalidade suficientemente forte pra escolher a roupa que vai vestir. Se a mãe escolhe a blusa rosa, ela bate o pé que é a azul. Em pleno inverno cisma de pôr vestido de alcinha. Isso quando não inventa de ir ao shopping com a fantasia do Léo de Super Homem. A mãe, coitada, tem que contar até 30 e ter, além de paciência, muita psicologia.
Essa é a Bella. E hoje, em plenas oitavas de final da Copa do Mundo, o Brasil inteiro torcendo pra ganhar do Chile, a garota escolhe a dedo um vestidinho lilás. A mãe ainda insiste:
- Ô, pituquinha, por que você não põe aquela blusa verde e amarelo, do Brasil?
- Eu não posso.
- Não pode?! Por quê?!
- Porque eu não sou do Brasil, mãe. Eu sou do Galo!
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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Letícia

Lê, tícia, a poesia escrita na sua meninice.
A leveza dos seus passos de dança.
Mistura de pureza e esperança.

Lê, tícia, os sonhos que sonhei pra você.
A alegria que ganhei ao ver você nascer.
A emoção de te carregar no colo e cantar
para você dormir.

Lê, tícia, a música que vem dos seus olhos.
Ainda menina já é bailarina,
princesa, fada sininho.

Lê, tícia, a história de amor
de uma madrinha encantada
com a afilhada.
Lê o meu amor, sempre.

*Este post é dedicado à minha querida  afilhada Letícia,
que hoje completa 9 anos cheios de luz.

Doce herança

Ontem me encontrei por acaso com a Cláudia, viúva do Gilson, primo querido do meu marido. Tão querido que eu resolvi adotar como primo também, sem pedir licença nem autorização.
O Gilson era parecidíssimo com o Sidney Magal. Forte, grandão, despachado e descolado, tinha mania de carregar a gente no colo e jogar pro alto, sempre rindo pra vida.
Pois um dia a vida aprontou uma com o Gilson. Câncer no estômago e esôfago, retirada imediata dos órgãos, prognóstico ruim de doer. O médico deu 6 meses de vida. A vida deu mais 6 anos.
E com esta prorrogação abençoada ficou pra gente um Gilson marcado pela alegria de viver, e não pela angústia de morrer.
Claro que ele deve ter sentido medo e angústia, disso eu não tenho dúvida. Mas o que ele passava pra todo mundo era uma força e uma luz que não têm explicação.
Imagine você sem poder comer nada. Imagine não poder tomar um simples copo d´água. Às vezes a secura na boca era tanta que ele pedia um pouco de gelo só pra molhar os lábios.
Ele não podia engolir. E já que não podia, fez questão também de não engolir a doença. Passou a celebrar a vida mais do que nunca. Ia nos visitar e ai de nós se a televisão estivesse ligada. Ele dizia que ver TV era desperdício; o importante era ver um ao outro, perguntar “como vai” de verdade, compartilhar bons momentos. Isso era a vida pra ele.
O tempo foi passando. Perdemos a conta de quantas cirurgias ele fez. Nosso querido Gilson perdeu peso, perdeu a voz mas não perdeu a alegria de viver.
Você pode não acreditar, mas o danado ainda foi pra cozinha fazer pé de moleque pra vender. (O pé-de-moleque mais gostoso que eu já comi em toda a minha vida.)
Já faz alguns anos que ele morreu. E aí eu encontro com a Cláudia na Bendita Gula, toda serelepe (herança maior de alegria que o marido deixou, além dos quatro filhos), pedindo um pedaço de torta de chocolate. É claro que o Gilson também tinha que estar presente:
- Quando eu estava grávida, fazia o ultrassom aqui perto e vinha depois com o Gilson comer essa torta de chocolate! Hoje eu fui fazer um ultrassom –dessa vez pra tirar o útero –, e resolvi vir aqui pra matar saudade!
Essa saudade a gente vai carregar a vida toda. Mas com a alegria e a leveza de saber que agora os anjos é que carregam o Gilson no colo, encantados com o pé-de-moleque que ele anda fazendo lá no céu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Detalhes tão pequenos

O domingo dele:
- Acordar.
- Ler o jornal. Todinho. Começando pela página de Esportes.
- Levar o jornal pro banheiro. Terminar de ler. Sem pressa.
- Banho demorado.
- Partidinha de peteca com os amigos.
- Chopinho pra comemorar a partida.
- Feijoada com a família.
- Sonequinha depois do almoço que ninguém é de ferro.
- Futebol com o sogrão.
- Amorzinho, vem cá...

O domingo dela:
- Levantar da cama. Preparar a mamadeira.
- Fazer supermercado.
- Brincar de esconde-esconde.
- Esconder o chocolate pra devorar depois do almoço.
- Catar brinquedos.
- Lavar louça. (O esmalte vai por água abaixo mas dá pra queimar 160 calorias.)
- Banho a jato pra não perder a feijoada.
- Fazer o bebê dormir. Dormir muito antes.
- Visitinha básica pra sogra.
- Fone de ouvido pra não ouvir o futebol.
- Estudar pra prova de inglês.
- Amorzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz....

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Pedido

Sua criança interior está pedindo riso,
pipoca, sorvete e carrossel.
Está pedindo calma, poesia, barcos de papel.
Sua criança interior está chorando
pelo pai que partiu tão cedo.
Pela mãe que não borda mais.
Pela infância que parou no tempo.
Sua criança está pedindo colo,
abraço, pastéis de vento.
Está pedindo leite, cobertor, histórias pra dormir.
Dá atenção pra criança que está aí chorando.
Ela precisa do seu amor para crescer.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ponto final

Naquela relação que não vai pra frente.
Na ajudante desajudante.
Na birra que passou do limite.
No chefe que só dá trabalho.
Na gula absurda.
No medo de escuro.
No tempo perdido.
Na sensação de vazio.
Na falta de exclamação.
No excesso de reticências.
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Bota um ponto final.
Fecha a porta e vem abrir janelas.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Léo não é sopa!

Hoje o Léo almoçou na escola.
Perguntinha básica da mãe um tanto quanto judia e comilona:
- E aí, filho, o que você almoçou hoje?
- Arroz, feijão, bife, farofa e salada.
- Hum... Que delícia!...
- Tinha sopa também. Mas só o Lucas quis.
- Sopa? Por quê?
- Porque algumas pessoas são estranhas...
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Nostalgia de gente grande

- "Mãe, abre as pernas que eu tô voltando!"
(...)
Vai me dizer que você nunca quis voltar pro útero da sua mãe?
Ficar lá quietinho, na paz, quentinho, aproveitando o banquete que passa pela placenta,
respirando que nem peixe, dormindo e virando cambalhota.
Nem, tem horas que o mundo fica muito complicado.
Conta errada da TIM, TPM a mil por hora, infiltração no banheiro da vizinha, roupas manchadas pela empregada, meninos brigando feito cão e gato, alarme disparado, picuinhas, ceninhas, São Longuinho, arrrrrrrrrrrrrrrrrrgh!
Deus que me perdoe, nada disso é problema.
Mas vai juntando água no balde, vai. Uma hora o caldo entorna, você estoura e dá uma crise de saudade filha da mãe.
Não é à toa que você chorou quando saiu de lá.

domingo, 13 de junho de 2010

Começa cedo

Ontem fomos a uma festa de aniversário com um espaço super bacana para crianças. Além de tobogã, piscina de bolinhas, boliche e autorama, tinha um cantinho cheio de livros. Foi lá que "estacionei" com a Bella e me pus a folhear histórias de tubarão, golfinhos e caracóis.
Mas o melhor da festa foi quando li pra ela a história de um lobinho bom. O livro começa instigando uma breve reflexão sobre o que é ser bom e o que é ser mau.
Dando uma pequena pausa na leitura, perguntei para a pequena:
- E pra você, Bella, o que  é ser bom?
Ao que ela respondeu sem hesitar, com a melhor cara lavada do mundo:
- Chocolate!...
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terça-feira, 8 de junho de 2010

Corpos em prece

Nunca imaginei que isso fosse coisa pra mim. Nunca achei que fosse ter fôlego ou disposição. Mas fato é que eu comecei a correr, inspirada e incentivada pelo amor da minha vida. 
Fiquei espiando ele virar maratonista, na maior torcida, virei motorista dele e do grande amigo Cepinha em pleno Rio de Janeiro, vibrei nas voltas da Pampulha e acabei contagiada por essa energia.
Ipod na orelha, motor no pé e lá vou eu, movida por uma endorfina que também corre serelepe pelas veias.
Sei que soa poético demais, mas numa dessas corridas acabei fazendo uma analogia com a prece.
Tudo tão em harmonia - coração, músculos, pulmões -, o corpo em prece oxigenando a alma. Vento no rosto, frio transformado em calor, calor transformado em suor.
No chão, asfalto. No céu um Deus enorme vendo meu corpo em prece, agradecendo por ter pernas, braços, saúde pra dar e correr.
Correr de quê? Do frio.
Correr pra quê? Pra ter saúde, arejar a cabeça, ficar mais leve, dar um fim no brigadeiro, na canjica, no pé de moleque e em todas aquelas gostosuras que o inverno nos convida a festejar.
E você, como tem se exercitado?
Bota o tênis.
Salte de pára-quedas. Respire Pilates. Escale montanhas. Mergulhe fundo.
Faça amor. Cesta. Gol.
Bota o corpo pra rezar.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ora bolas!

Na rotineira arte de ensinar os filhos a serem mais organizados, e pelejando com a bagunça diária do quarto do Léo, acabei inventando mais uma moda: as "bolinhas felizes e tristes".
Peguei uma folha de papel e dividi em duas colunas: uma do "Smile" e outra do "Smile" invertido, bem tristinho mesmo.
Se passo pelo quarto do pimpolho e vejo alguma coisa fora do lugar - toalha molhada na cama, tênis jogado, brinquedos incrivelmente espalhados pelo chão -, desenho uma bolinha na coluna do sorriso invertido, e escrevo ao lado o motivo. Já se encontro o quarto arrumado, as gavetas fechando tranquilamente, tudo tinindo, lá vai uma bolinha na coluna do "Smile", seguida da justificativa. A folha fica pregada na porta do armário, bem visível.
Não é que a moda pegou? De repente o Léo ficou super motivado com a organização do quarto, e até me chama pra ver a arrumação. Claro, pra ganhar bolinha feliz. E é claro também que continua ganhando bolinha triste, organização doméstica não se faz de um dia pro outro...
Empolgada com a empolgação dele, passei numa papelaria e comprei alguns presentinhos, lindamente embrulhados: bola de futebol, monstrinho que pula, Super Trunfo, argila, boné da Copa...
E aí o combinado é o seguinte: todo domingo, fazemos a contagem das bolinhas. Se ele tiver mais bolinhas felizes do que tristes, "abro a lojinha": exponho na mesa de jantar os presentinhos que comprei, e ele escolhe o que quiser, apalpando os embrulhos pra ver qual o atrai mais. Se as bolinhas tristes forem maioria, baubau presente...
Ontem resolvemos inaugurar a lojinha. Eu já tinha passado o olho na folha e vi que tinha dado "empate técnico". Só não contava com a astúcia do Léo. O danado foi lá na folha, desenhou mais uma bolinha na coluna do "Smile" e escreveu: TOMÔ BANHO.
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