sábado, 28 de dezembro de 2013

Frozen


Típico e delicioso programa em família depois de um típico e delicioso almocinho japonês: "Frozen, uma aventura congelante", mais uma superprodução da Disney.
Pra gente pequena, os olhinhos por trás dos óculos 3D se fixam no afeto entre duas irmãs, paisagens geladas, brincadeiras de infância, poderes especiais e o velho duelo entre o bem e o mal.
Pra gente grande, dá pra ir um pouco mais longe. Do coração congelado à depressão paralisante, petrificante, que manda fechar as portas do castelo e te isola do mundo: até da irmã "ensolarada", tão cheia de luz e vida. Depressão que cria abismos, lanças pontiagudas de gelo e assustadores monstros de neve. No filme, poder especial; na vida ao vivo e em cores, doença, falta de serotonina, química cerebral, mundo em preto e branco.
Em Frozen o inverno é constante, dilacerante, pra sempre. Já imaginou viver eternamente no cinza, no frio, no Alasca?
Esta é a sensação que muita gente tem quando está vivendo um problema grave. Seja de cabeça, coração, dinheiro, profissão, o que for, a sensação é que a imagem estará para sempre congelada. Mas aí é só lembrar a última vez que você chorou, sofreu, doeu, ficou trancado no quarto.
Passou, não passou? Pode até ter deixado sequelas, mas a vida continuou, isto é certo. Até a neve se transforma, aí está o sol que não me deixa mentir.
Pra quebrar o gelo e fabricar o riso, o ponto alto do filme: um divertido boneco de neve falante, que ora perde a cabeça, ora desloca a cenoura do nariz para o meio da testa, mais parecendo um unicórnio, mas sem nunca perder o bom humor.
Pra aquecer o coração, é preciso olhar para ele. Ouvir suas batidas, calma e amorosamente, como bem ensinou a professora de ioga do post anterior. Depois de ouvir, encher de amor, essa palavra tão batida e linda.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O dia em que a terapeuta chorou. Ou: emoção de uma crônica autorizada


Toda quinta ela anunciava sua chegada com uma batida inconfundível na porta: toc-toc, toc-toc, toc-toc. Chegava carregada de luz, cansaço, pasta executiva, esperança, celular já no jeito para plugar no tomada e vontade de mudar o mundo - o seu mundo.
Queria emagrecer, queria engravidar, queria deixar a vida de executiva pilhada no último grau e ficar bem zen.
Seu sonho quase foi parar no Guinness Book: tudo o que aquela mulher queria era deixar o posto de empresária e virar professora de ioga para crianças. Simples assim.
E para provar que sonho só faz sentido quando vira realidade um dia, lá foi ela à luta. À doce labuta de trocar o salto alto pelos pés descalços, o tailleur pela malha confortável, os contratempos empresariais pelo tempo vivido com respiro, alegria e sentido - muito sentido.
A ioga veio na vida dela como um remédio, literalmente falando. A executiva se deu alta do psiquiatra, jogou fora o antidepressivo, começou a frequentar templos budistas, mergulhou em livros e cursos de ioga, respirou aliviada. Ommm... Ommm...
De tão bem que estava, se deu alta da terapia também. Esqueceu lá no consultório a sombrinha ("Freud explica"), voltaria para pegar depois. Voltou: seis meses depois, só para matar a saudade e trocar algumas ideias, ainda sem emprego mas em busca de um trabalho que deixasse a alma dela repleta, leve. Ganha-pão recheado de realização, não poderia ser diferente.
Coincidentemente, a professora de ioga da minha filha (um desses privilégios deliciosos do horário integral) estava saindo de licença-maternidade. Não pestanejei em indicar a minha querida ex-executiva para ocupar a vaga. Ocupou. Preencheu de alegria e sentido cada segundo da sua vida. E das crianças que deram a sorte de tê-la como professora, tão cheia de leveza e alegria, ensinando sentimentos bons como paz, alegria, harmonia. (Como o mundo anda precisando disso.)
Há algumas semanas foi a festinha de encerramento da escola com apresentação para os pais. Balé, música, inglês e ioga. Fui ansiosa para assistir a Bella, já controlando a respiração para ver também a minha querida ex-executiva na ativa, fazendo o que mais ama na vida.
Qual não foi minha frustração quando vi uma outra professora estendendo as esteiras coloridas no chão, preparando o ambiente para envolver pais e filhos em uma relaxante aulinha de ioga. "Será que aconteceu alguma coisa?", pensei. "Será que ela foi mandada embora ou decidiu sair? A Bella não me disse nada...".
Qual não foi minha alegria quando me dei conta do engano; não era outra professora, mas sim a minha querida ex-executiva, a própria,de carne e osso, só que dezessete quilos mais magra, cabelo até a cintura, corpo de bailarina, brilho nos olhos, energia de quem finalmente se encontrou.
Qual não foi minha emoção quando ela pediu para assentarmos em posição de meditação, mãos em "formato de olhos de corujinha", e apenas deixar ouvir o coração bater.
Ah, minha querida ex-executiva... Logo você, que por tanto tempo ouviu o coração bater pesado, cansado... Que lindeza de transformação compartilhei neste dia com você. Deitada na esteira, ao lado da minha filha, viramos sol, vento, nuvem, barco à vela. Chorei de emoção pela linda travessia que começou bem diante de mim, entre xícaras de cappuccino, caixas de lenço e almofadas macias.
Que Deus abençoe a sua caminhada, querida professora de ioga. E que nessa beirinha de Ano Novo a sua história possa inspirar muita gente a acreditar na força que um sonho tem quando precisa acontecer.
Na verdade, não tem muito mistério, aprendi com você. A gente só precisa respirar, aquietar a mente e ouvir de que jeito o coração anda batendo.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Refúgio


Meu segundo livro está prestes a dar o ar da graça.
Reserve um espaço na agenda
e venha engrandecer o lançamento com a sua presença.

sábado, 9 de novembro de 2013

Síndrome de Peter Pan


Minha filha se apaixonou por um unicórnio.
Foi lá na Universal Studios, depois de viver minutos de "Minion" no empolgante simulador do "Meu Malvado Favorito". Na saída da atração, mais atração: uma lojinha tentadora com suas blusas amarelo-vivo, chaveirinhos personalizados, unicórnios de pelúcia esparramados pela prateleira.
Não deu outra:
- Ahhhh, mamãe, que liinndo!...
- Lindo mesmo, Bebella, mas depois a gente olha com calma. Vamos lá no Shrek, antes que o parque feche. (!)
E depois de muita aventura, loopings e hip hurras, o parque fechou. A lojinha dos Minions fechou. O unicórnio por lá ficou, esparramado na prateleira.
O coração da pequena partiu, nem preciso dizer.
- Amanhã a gente vai atrás do seu unicórnio, filha.
E a gente foi. Mas o danado do bichinho parecia estar em extinção. Loja nenhuma, outlet nenhum, shopping nenhum. Só dentro da Universal, justamente o parque que a gente não voltaria mais.
Sugeri trocar o unicórnio por elefante, burrico, ovelha, ursinho. Nada. Irredutível a mocinha, personalidade forte, típica do signo de escorpião. Apaixonou mesmo.
Voltamos ao Brasil no dia seguinte, deixando uma incumbência para os amigos (santos amigos) com quem dividimos a casa: trazer o unicórnio, já que eles ainda iriam dar uma espichadinha no mundo da aventura.
Dito e feito, missão cumprida, quase morri de vergonha quando vi o tamanho da encomenda que eles trouxeram na mala. Chegou em boa hora, melhor não podia: na véspera do aniversário dela.
Qual não foi sua emoção quando acordou cedinho no dia seguinte com o unicórnio ao seu lado, esparramado na cama. Achei que ela fosse ter um troço, mistura de alegria com falta de ar.
E o dia passou colorido com aniversário na escola, festa da camisola à noite, ensaio de balé na manhã seguinte. Muita emoção para uma menina só.
Quando ela se viu sozinha com o unicórnio ao fim do dia, deitou agarrada com ele no sofá e lá ficou, encolhidinha, pensando na vida.
- O que houve, Bebella? Está tudo bem?
E foi aí que a pequena colocou para fora toda a emoção das últimas horas, chorando de soluçar:
- O Peter Pan é muito sortudo!...
- Peter Pan?! Por quê?!
- Por que ele nunca vai crescer... Eu não quero crescer, quero ser sempre criança pra ficar com o meu unicórnio!...
- Mas você pode crescer e continuar com o seu unicórnio, ué.
- Não, senão as pessoas vão me zoar!...
- Sabe, minha filha? Quem zoar é porque não teve infância. Mesmo que a gente cresça, leva pra sempre a criança que foi um dia. Eu, quando presenteio você com o unicórnio, ou preparo uma festa da camisola, ou levo você pra Disney, alegro também a criança que fui um dia.
A essa hora, a pequena era uma mistura de cansaço, emoção, afeto e filosofia. Como doía a ideia de perder seu mimo de pelúcia um dia. Como chorava a minha menina, já toda cheia de pêlo branco grudado no rosto molhado.
- Agora vai brincar, minha filha. Gruda no unicórnio e aproveita cada minuto da sua alegria. Ainda falta muito pra você crescer.

domingo, 20 de outubro de 2013

Sonho foi feito pra realizar


E aí você decide pegar a família, juntar uma turma animada de amigos e fazer uma visitinha pro Pateta. Acorda a criança que foi um dia, enche os olhos de brilho e vai brincar de realizar sonhos. Bingo, Mr. Disney. "Where dreams come true", slogan mais preciso não poderia. Perfect.
Não importa se o seu sonho é ver a Pequena Sereia virar princesa, ou a fera virar príncipe, ou a montanha-russa virar você de cabeça pra baixo ao som de uma guitarra alucinante do Aerosmith.
Filas sempre cheias. Tempo de espera de até duas horas dependendo do brinquedo e as pessoas esperando sem reclamar, tudo vale a pena quando o sonho não é pequeno. Duas horas de expectativa para viver em poucos minutos a emoção de voar com o Harry Potter, sobrevoar a Califórnia de asa-delta, subir pelas paredes com Homem Aranha, despencar de um elevador em Hollywood e sentir o coração pular pra fora. ("Tiraram a minha alma lá", foi o comentário da minha filha.) A boa notícia é que depois do susto e da adrenalina tem sempre uma plaquinha luminosa com a palavra "Exit". Yes, we can. Fica tranquilo que tem sempre uma saída, o pânico sempre chega ao fim. Já ouviu a expressão "Relaxa, vai dar tudo certo."? Vai. Para os menos corajosos o sistema nervoso simpático arruma uma confusão danada com o pára-simpático, os neurônios quase viram paçoca mas sim, yeah: como diria Sabino, "no final dá certo. Se não deu - uouuuuuuuuuuuul - "é porque ainda não chegou no final." The end.
À noite, fogos de artifício só para reforçar onde estamos: mundo encantado do ratinho mais simpático do mundo, Terra do Nunca e também do sempre, "where dreams come true", Feliz Ano Novo antecipado. E aí eu me pego pensando que - com todo respeito ao Mr. Disney, pra quem eu tiro o chapéu um milhão de vezes - a gente pode carregar essa frase aonde for, com ou sem castelo, com ou sem Sininho. Brasil, China, Austrália, Japão, escolha o seu destino.
Falo dos sonhos do dia-a-dia adormecidos no travesseiro e colocados em prática no dia seguinte, basta um toque do despertador. Sonhos que demoram mais de duas horas na fila e dão um trabalhão para realizar, mas que nascem inteiros, bonitos de se ver, lindos de viver. Casar com a mulher da sua vida. Ter miniaturas suas correndo pela casa. Viver a liberdade de rodar o mundo sem rumo nem prumo nem hora pra chegar. Virar trapezista de circo. Escrever um livro. Tocar violino. Descobrir a cura do câncer. Encontrar sua identidade. Formar um filho. Abraçar cada segundo da profissão da sua vida. Amar de verdade, esta é a magia.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Refúgio


Choro de chuva.
Esperança de sol.
Alegria de Refúgio.

Meu novo livro, Refúgio,
já começou a dar o ar da graça.
O lançamento é em breve.
Você, desde já, é meu convidado especial.

domingo, 22 de setembro de 2013

Prosa hilária


Tem coisas que não têm a menor graça. Outras acabam tendo, mesmo sem ter que ter.
Certo é que o riso é terapêutico, disso não há a menor dúvida. Desopila o fígado, faz bem pra pele, pra alma, pra tudo. Se bobear até emagrece, haja vista os abdominais que a gente faz quando se contorce de tanto rir.
Já disse no post anterior que minha mãe, além de extremamente aberta para falar dos assuntos mais difíceis, é prática e objetiva, e gosta das coisas bem organizadas. Tudo no lugar certo, a tempo e a hora.
Só não imaginava que ela fosse chegar a tanto. Quase morri de rir.
Depois que ela ticou o ítem "cemitério" da sua listinha (se você não leu o post anterior, dá um pulinho lá), foi organizar a papelada numa pasta e se deparou com o tal ímã de geladeira para quando fosse a hora. Olhou o relógio: quinze pra meia noite de uma segunda-feira.
Sem pestanejar, ligou para o número indicado.
Do outro lado da linha, a voz sonolenta de um homem atendeu prontamente:
- Serviço Funerário Israelita boa noite Miguel, plantão 24 horas por dia.
- Desculpa, foi engano. (!)
E assim, certa de que o serviço funciona mesmo, foi dormir tranquila. Tudo certo e conferido.
Nem preciso dizer o quanto este episódio rendeu no dia seguinte.
Minha irmã, morrendo de rir, soltou o seguinte comentário:
- Coitado do coveiro, gente. Deve ter voltado a dormir aliviado quando viu que não ia ter que trabalhar de madrugada.
Mas o hilário mesmo ainda estava por vir.
Quatro dias depois, já passava de meia-noite e meu marido resolveu pregar uma peça na sogra.
Ligou para ela e fez uma voz completamente diferente, falando rápido e rasteiro, num português bem afetado:
- Boa noite, Dona Clara, aqui é do Serviço Funerário Israelita. Antes de mais nada gostaríamos de te dar as boas-vindas, a senhora é a nossa mais nova inquilina.
- Inquilina não! Proprietária!
- Temos aqui registrada uma ligação da senhora, podemos ajudar?
- Eu? Não liguei não, o senhor está enganado.
- Não estou não, engano foi o que a senhora disse quando ligou, mas que a senhora ligou, ligou.
- Qual o seu nome?
- É Miguel. A seu dispor.
- Miguel, você está falando muito rápido! Você podia falar um pouco mais devagar?
- Posso não, Dona Clara. A vida é curta, por isso eu falo rápido! A vida é curta, curta, curta. E aqui o nosso lema é: ligou, enterrou.
- Mas... como é que você sabe que fui eu? Como é que conseguiu meu telefone?
- A senhora esqueceu que nós temos convênio com o Serviço de Inteligência Israelense?
- Não fui eu, nego até a morte.
- Foi sim, nós confirmamos estes dados com a sua filha Renata.
- A minha filha?! Eu vou ligar pra ela agora!!!
- Precisa não, ela está aqui do meu lado. Vou passar pra ela. (!)
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59 abdominais, fígado em dia, pele nos trinques. Isso é que é literalmente rir pra não chorar.

domingo, 8 de setembro de 2013

Prosa ruim


Coisa esquisita essa história de morrer. Como se não bastasse o susto, o luto, o vazio, a indescritível dor da perda, ainda há os estranhos e doídos pormenores. (Ou seriam “pormaiores”?)
De uns tempos pra cá, resolvi olhar para todos eles de frente.
Haja coragem. Haja desembaraço para tocar em um assunto tão intocável. Prosa ruim, não havia título mais apropriado.
Todo mundo vai morrer um dia, eu sei, mas é como se o tema não nos pertencesse. Planejamos viagens, casa na praia, festas de aniversário, buquê de casamento. Reforma do apartamento, mudança de profissão, carro novo na garagem. Sim, sabemos viver. Nossa listinha mental inclui vasos de flor, vinhos na adega, orquestras sinfônicas, enxoval do bebê. Ligamos a TV e o break comercial nos move (ou paralisa) com perfumes, bonecas, chinelos, panelas, colchões, lugares para se descansar em paz. E antes que a sua paz vá embora com bucólicas imagens de gramados verdejantes e slogans idílicos, você muda rapidamente de canal. Da morte à vida em um segundo. Muito mais fácil tomar uma cerveja gelada, suspirar por aquele vestido vermelho, ir com a família pra Disney.
Pois ultimamente ando exercitando essa coisa difícil que é pensar na morte. (No lado prático da morte.) Vão-se os pais dos amigos, os velórios nos atravessam a rotina com seus rituais, fica a constatação dura de que um dia é você que vai passar por isso.
Penso no meu pai e na minha mãe, embasamento mais lindo da minha existência, e sofro por antecipação. Se eu pudesse, eles viveriam duzentos anos. Não posso. Choro.
Assisto à propaganda bucólica e me vejo alvo de seu apelo. Pelo amor de Deus, quando eles se forem quero apenas chorar. Muito. Chorar, rezar, pedir, lembrar, homenagear, fazer-me encanto no meu sagrado canto de despedida. Não quero saber de providenciar nada: flores, jazigo, velório. Não terei cabeça, nem quero ter. Apenas coração pulsando, cabendo tudo o que é dor, memória, saudade, colo, uma existência inteira que se foi apesar de nunca ir.
E foi dessa dolorosa antecipação que chamei meus pais para uma conversa. “Prosa ruim”, fui logo avisando. “Prosa necessária, saudável, minha filha. Faz parte da vida pensar na morte”, respondeu com serenidade minha mãe.
E foi assim que tomamos coragem para ligar para os cemitérios, fazer tomada de preços, esclarecer dúvidas sobre o concreto e inevitável morrer. De uma maneira muito racional, recusamos a violência que é ser pego de surpresa numa hora dessas.
Tenho um cunhado que mal recebeu a notícia de que o coração da mãe parou de bater, foi “gentilmente acolhido” por um agente funerário ainda no corredor do hospital, cobrando preços exorbitantes pela despedida. É dessa triste cena permeada de “marketing emocional” que não quero jamais ser protagonista.
Tenho um amigo, por outro lado, que sempre que vai almoçar na casa dos pais é levado até um canto da sala: “Meu filho, se acontecer alguma coisa tá tudo aqui, nessa gaveta: papelada em dia, comprovantes, o telefone para tomar as providências. Tudo certo.”
Quando inaugurei a “prosa ruim” meu pai não rendeu muito a conversa. “O que você resolver está bom, minha filha. Pode ir olhando e me repasse as informações.” Minha mãe, prática feito ela só, foi logo dando força pro assunto: “Que bom podermos conversar sobre isso, florzinha. Muito saudável a gente cuidar da morte enquanto vive. E, enquanto vive, fazer isso da melhor maneira possível, desfrutando dos momentos de felicidade, aproveitando tudo o que a vida tem a nos oferecer.”
E lá foi ela resolver o assunto, querendo a área do cemitério mais bonita, bem perto das suas raízes. Na sua caderneta de anotações, uma página bem pitoresca vinha com a listinha:
• Presente casamento Luiz.
• Roteiro Portugal.
• Meia anti-derrapante.
• Cemitério.
Outro dia me deu a notícia toda feliz, bem-resolvida: “Filha, comprei meu lote na Pampulha! Quando chegar a hora, o telefone vai estar aqui ó, nesse ímã de geladeira.“
E o que era “prosa ruim” virou crise de riso, abraço gostoso, listinha quitada no nosso jeito bem-humorado de resolver as coisas práticas, imensamente delicadas, sem fazer disso tabu. Desopilamos o fígado para lembrar o quanto ele e os outros órgãos estão tinindo, de bem com a vida, até que um dia a morte diga o contrário.
Enquanto houver vida pra viver, que a gente ainda possa curtir muito as boas prosas da vida, fazendo de cada epitáfio um lindo poema.

domingo, 1 de setembro de 2013

Perolices em movimento


Jogo tenso do Galo.
Enquanto a Bella brincava de reconhecer as palavras em um livro colorido, o pai esbravejava diante da TV:
- Ô, Guilherme, pega essa bola!
- Vai, Donizete, vai que é sua!
- Isso, Ronaldinho, faz essa massa feliz!
- Pai, você ainda não percebeu que eles não te escutam? Não adianta ficar gritando!...
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Vôo BH-Brasília, compromisso de aniversário importante.
Depois do tradicional par ou ímpar para ver quem ia ficar na janela, a Bella gasta um tempo apreciando a insólita paisagem.
- Mamãe, quando eu morrer será que eu vou comer nuvem? (...)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Perolice iluminada


Domingo à noite, "momento-reflexão".
À pergunta do pai sobre onde está Deus, as crianças respondem:
- No céu!...
A mãe acrescenta:
- Deus está dentro do coração da gente...
E uma Bella muito surpresa indaga:
- Dentro da gente?! Mas Deus é grande!...
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sábado, 24 de agosto de 2013

Hahaha


Que bom que a vida tem lá suas compensações. Cobertor quentinho no inverno. Chocolate pra dor de cotovelo. Abraço de urso depois de matar um leão por dia. Ombro amigo quando o seu já esfarelou de carregar tanto peso. Peso pesado, quem é que nunca sentiu o lado hard da vida? Basta uma espiadinha pela fechadura da alma e lá está ela: agachada, abafada, presa, chorando. Cada um sabe o motivo, cada um sabe o tamanho da cruz que carrega. Problema todo mundo tem, não se mede nem compara. Mas tem uma certa categoria de dor que mexe mais com a gente. Experimente passar a manhã de domingo visitando a ala infantil de um hospital. Experimente trocar a velha paisagem das praças coloridas e toboáguas eletrizantes pelos corredores assépticos, brancos, tristonhos. No lugar da pipoca e do algodão doce, estranhas seringas transparentes e soro gotejando vida. Pronto. Provavelmente você vai destrancar a alma e correr de volta pra praça, feliz porque o seu problema é apenas uma rixa com o chefe, um namoro que acabou, um projeto que não vingou. Bola pra frente, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Voltando às compensações da vida, que bom que a gente pode transformar sofrimento em riso. Que bom que pra cada criança doente tem dois ou mais palhaços adentrando o quarto, fazendo graça e fabricando música.
Não, eu não passei um domingo no hospital mas é como se fosse. Fui assistir a um espetáculo do Instituto Hahaha (institutohahaha.org.br) e não sabia se ria ou chorava. A Mostra Hahaha emocionou a plateia ao demonstrar um trabalho cheio de nobreza e compensações as mais lindas: para a falta de toque, toc-toc na porta; para a seriedade da situação, nariz de palhaço; para braço engessado, abraço apertado; para o shhhh da enfermeira, música de primeira.
Parabéns, Instituto Hahaha. Vocês prescrevem com encanto, competência e alegria uma receita que não costuma mesmo falhar:
a de que rir ainda é o melhor remédio. (Mesmo quando há todos os motivos do mundo para chorar.)

domingo, 11 de agosto de 2013

O pai que carrego em mim


Roda gigante.
Bola de chiclete.
Pipa colorindo o céu.
Braços abertos na porta da escola.
Cai, levanta.
Amarra meu tênis?
Esconde-esconde.
Bolha de sabão.
Festa junina.
Adivinha o formato daquela nuvem?
Língua de gato.
Bala chita.
Me leva no altar?
Parei de fumar.
Ombro, colo, abraço, riso.
Quanto mais a gente cresce,
mais cresce o amor que a gente sente.
Tão presente, tão sempre,
tão grande, tão pai.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Mais farofa?


Colocando um pouco mais de farofa na panela, vai uma uma outra perolice que esqueci de contar no post anterior.
Perolice jurídico-psicológica, logo você vai entender por quê.
A Bella tem uma amiga muito querida, Maria Clara, uma fofurice só.
Outro dia ela foi brincar lá em casa e não quis ir embora de jeito nenhum.
A Vó Riza chegou para buscá-la e as duas trataram de se esconder rapidinho, uma debaixo da cama e outra atrás da cortina.
Assim que foram descobertas, começou a choradeira misturada ao forte apelo infantil:
- Ahhhhhhh, deixa ela ficar mais um pouquinho, deixaaa!...
- Deixa, deixa, deixa, vovó!... Só mais um pouquinho!...
- Deixa! Deixa! Deixa!
- Por favor, por favor, por favoooooor!...
- Coitada da menina, deixaaaa!...
- Por favor, por favor! Por obséquio, por obséquio, por obséquio!...
- Acho melhor você deixar, né? Se não é muito sofrimeeeento!...
Tá explicado, argumentado, tá resolvido, meninas. Dois a zero pra vocês.
(É isso o que acontece quando uma filha de advogada se junta com uma filha de psicóloga para brincar.)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Farofa, monstros e rock'roll


Experimente desligar a TV, tirar a gravata, vestir uma fantasia de princesa, levar a sério uma criança. Pronto. Sua "adulteza" já virou infância.
De perolice em perolice o mundo vai ficando mais redondo, colorido, mais cheio de graça e encanto.

- Mamãe, por que que dicionário chama dicionário? Devia se chamar livro da sabedoria.
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- Mãe, eu já falei que não gosto de pimentão.
- Ô, filha, pimentão é tão gostoso. E olha só como faz a farofa ficar mais bonita.
- Eu adoro farofa, mas sem pimentão.
- Tadinho do pimentão, Bella. Ele vai ver todo mundo ir pra festa da barriga - o arroz, o feijão, a carne, o tomate... Só ele vai ficar de fora?
- Tadinho nada, mãe. Pimentão não é gente!...
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- Mãe, sabia que tem uma lenda sobre as mães que ficam muito bravas? Elas viram monstro.
- É mesmo, Bella? Onde você aprendeu essa lenda?
- Na escola, ué.
- Você acha que eu sou muito brava, filha?
- Não... E é melhor você não ficar, viu?
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- Bella, o telefone tá tocando!
- Ah, pai, tô com preguiça de atender...
- Deve ser o seu avô. Eu, se tivesse um avô ia atender. Mas o meu tá lá no céu, e lá não tem telefone não...
- Tem sim!
- Tem?!
- Tem, a gente liga pelo coração!
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- Mãe, às vezes eu não consigo parar de pensar! Minha cabeça parece uma banda de rock. (!)

terça-feira, 23 de julho de 2013

AMORversário


Então você nasceu. Eu ainda não era desse mundo, mas com certeza participei com emoção do seu "bota-fora", já deixando um encontro marcado para anos depois. Cercado de anjos e estrelas você foi notícia linda numa noite de 23 de julho. Foi rapa do tacho numa família abençoada de quatro filhas, bênção ainda maior se viesse um menino. Veio. Você, cheio de luz e encantamento, posso apostar que chegou ao mundo com um riso gostoso, ao invés do tradicional choro. Seu nascimento fez tocar uma orquestra inteira dentro do seu pai e da sua mãe, sinfonia de alegria.
Hoje tem bolo de chocolate, velas acesas, risoto de camarão, mousse de maracujá, brigadeiro com flor de sal, mar cheio das melhores energias. Hoje tem riso, cantoria, torcida, balões em preto e branco, colorido melhor não haveria. Hoje é como se o Galo já estivesse carregando a taça.
Mais que aniversário, você faz diferença na vida da gente. Faz da felicidade palavra nada abstrata. Faz da sua alegria meu presente. Seu nascimento marcou, muito mais que o calendário, meu mundo, minha escrita, minha rima, toda uma existência.

domingo, 14 de julho de 2013

Torcida


Não entendo muito de futebol. A única vez que fui ao campo foi para fazer um trabalho de antropologia da faculdade, com um bloquinho na mão, de costas pro jogo, observando o comportamento da torcida.
Tenho em casa motivos de sobra para ser perita no assunto: um marido apaixonado pelo Galo, um filho que chora de emoção quando ele faz gol, uma filha que ficou "amiga" do Bernard.
Meu avô, se visse isso, ia estribuchar: antes de se tornar médico pneumologista, antitabagista ao extremo, foi artilheiro do Palestra Itália, atual Cruzeiro.
Mas a vida é assim mesmo. Para não dar espaço para a concorrência, o Dé mandou fazer um quadro assim que o Léo nasceu, e já na maternidade todo mundo lia: "Papai, obrigado por eu ter nascido atleticano." (Desculpa, vô, mas tive que aderir à torcida.)
Não entendo muito de futebol mas trabalho apaixonadamente com as emoções. Perdas e ganhos, alegria e tristeza, medo e coragem, derrota, vitória e tantas outras dicotomias passeiam diariamente no meu consultório. Na estante, potes de vidro carregam pedras coloridas, cada um com um rótulo: AMOR, ALEGRIA, PAZ, ESPERANÇA. Para este último, cheio de pedras verdes, costumo apontar o dedo quando vejo à minha frente olhos vazios de crença, esvaziados de esperança.
Sem muito entender de pênaltis, faltas e arbitragem, no último jogo histórico do Galo contra o Newell's Old Boys fui tomada pela emoção que tomou conta do estádio. Um torcedor atirou ao campo um terço que o goleiro Victor ajeitou no cantinho do gol. Um técnico aflito carregava Nossa Senhora estampada no peito, sem saber que era Ela que o carregava. A energia caiu, fazendo elevar a vibração da torcida com o refrão mais lindo e comovente de todas as torcidas: "Eu acredito! Eu acredito! Eu acredito!"
E dessa energia fez-se a luz. Da luz fez-se a emoção da vitória. Da vitória fez-se a confirmação do tanto que é preciso acreditar na força que as coisas têm quando precisam acontecer.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Olhos que falam

Conheci Tia Vera na piscina.
Paparicadeira feito ela só, virou logo tia do Léo, entusiasmada em ver o pequeno (na época com três anos) dar seus primeiros pulos e braçadas. Enquanto ele aprendia a nadar, a gente aprendia a ter mais qualidade de vida na aula de hidroginástica. Um perfeito "dois em um" para mães que querem cuidar dos filhos sem descuidar de si, driblando o relógio.
Valeu a torcida, Tia Vera. Hoje o pequeno já não é mais tão pequeno, treina na equipe e se alegra com cada medalha.
Sigo firme com ela na hidro, jogando água pra cima e recarregando as baterias.
Faladeira feito ela só, de um coração do tamanho de um trem, Tia Vera faz "ginástica intercomunicacional": fala disso, daquilo, daquilo outro. O professor muda a perna e ela ainda está no braço, contando e recontando causos, histórias, o capítulo da novela e o drama da empregada. Dá notícia de tudo, de todos, com uma alegria contagiante e um sol brilhando dentro dela.
Quando Tia Vera falta, a piscina fica vazia e o tempo nublado. A aula até rende mais, mas fica bem esquisita.
Leitora assídua do blog, outro dia me pediu sem cerimônia:
- Renatinha, faz um post pra mim?
Dia desses ela me deu motivo.
Aprendiz de fotografia, apaixonada por criança, quis treinar uns closes com o Léo e a Bella pra ir montando seu portfólio. Levei minha afilhada junto e nos divertimos na Praça da Liberdade, em meio a brincadeiras de roda, ioiô, esconde-esconde. Pedi ao vendedor de algodão doce sua haste cheia de nuvens coloridas e lá fui eu distribuindo alegria na praça.
Pela primeira vez, vi Tia Vera em silêncio. Cada segundo era um clique, um momento, um sorriso que ela não deixava escapar.
Quando me enviou as fotos, entendi o significado daquele silêncio tão contrastante com a faladeira mulher da piscina.
A Tia Vera da praça mergulhou na emoção de um ofício que faz a alma falar mais alto. A emoção de capturar momentos únicos, preciosos, que não voltam mais.
Por trás da câmara, Tia Vera em silêncio cantava, orava, catava instantes de vida em movimento.
Para que palavras se os seus olhos diziam tudo?
Música, poema, poesia: isso é o que mais escuto no silêncio que vem dos seus olhos cheios de brilho, Tia Vera.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Cura de quê?

Fico pensando (e esse pensamento dói)
no quanto algumas profissões são exercidas
de forma leviana, negligente, doente.
Profissão é algo sagrado, meu caro.
Tem a ver com ganha-pão, honestidade,
respeito, realização.
Trabalho sério, principalmente
quando se lida com gente.
Principalmente quando se assenta numa mesa
para criar projetos de lei.
Projetos que não são de lego nem credo,
não se montam como se fossem brinquedo.
Projetos de lei, meu caro,
envolvem também projetos de vida.
Pressupõem gente que lê, que pensa,
que sente, que tem personalidade
e opinião própria.
Gente que sofre, que ama,
que se perde e se encontra,
cai e levanta, ri e chora.
Gente que tem sexo e nem por isso
tem um carimbo dizendo
como é que tem que amar.
Com quem é que tem que se deitar.
Gente que recusa projetos de lei
determinando uma cura absurda.
Que cura, meu caro? Que lei?
Por acaso amor mudou de nome?
Virou doença fazer uma escolha,
abraçar uma identidade,
se jogar nos braços da mulher ou homem amado?
Me fale mais sobre isso.
Deixe-me entender onde é que está a patologia.
No meu consultório é que não está.
Não vejo doença nos olhos do homem
que só tem olhos para outro homem.
Não vejo distúrbio na mulher
que sonha com outra mulher.
Não cometo o equívoco absurdo
de querer curá-los, meu caro.
Prezo o gay que se senta à minha frente
como prezo qualquer outro ser humano
que vem falar das suas dores, feridas, amores.
Basta ser filho de Deus para tê-las aos montes.
Se esse blog fosse um divã, meu caro,
Freud certamente lhe diria:
"Seu tempo acabou."

sábado, 15 de junho de 2013

Protesto

Existe uma lei universal de causa e efeito,
simples de entender.
Tudo o que você faz gera uma resposta,
mesmo que muitas vezes silenciosa.
Sua fala, seu rompante, seu abraço ou distância
reverberam longe, já que você não é uma ilha
e absolutamente não está sozinho nesse mundo.
Eu, que aqui escrevo
para desintoxicar meu sistema nervoso
das loucuras e absurdos que vejo por aí,
causo certamente um efeito em você.
A forma negligente, desrespeitosa e doente
como o nosso país vem sendo conduzido
causou, não era estranho de se esperar,
protestos que já são notícia no mundo todo.
O aumento na tarifa de ônibus
e o gasto exorbitante com a Copa
foram apenas a gota d´água.
O copo já estava cheio faz tempo -
derramando corrupção, violência, saúde em coma,
falta básica e essencial de educação.
Os jovens saíram do Facebook e foram às ruas
compartilhar, ao vivo e em cores,
sua revolta e indignação.
Alguns souberam fazer isso, outros não.
Uns fizeram bonito, outros fizeram estrago.
Referindo-me aos primeiros,
como povo brasileiro de um estado democrático,
eles tem - no mínimo - esse direito.
Mas a gota d´água desaguou em gotas de sangue,
senhores governantes.
Sua tropa de choque chocou um país inteiro
com suas bombas de gás lacrimogênio,
tiros de borracha, sprays de pimenta
borrifados até em cachorro.
Voltando à lei universal de causa e efeito,
tivemos aí um efeito devastador.
Desumano. Destruidor.
Temos aí um clássico exemplo
de quando o efeito é absurdamente maior
do que a causa.
Isso não acontece só nas ruas,
mas também nos casamentos,
nas relações afetivas e familiares.
Quando a reação, o castigo, o grito
vem de forma absolutamente desproporcional,
piorando tudo.
Silenciar assim a sua gente, senhores governantes?
O que poderia ser uma corrente pra frente acaba
virando corrente de chumbo voltando pra trás.
Década de 60, para ser mais exata.
Ditadura, tortura, abuso abismal de poder.
De efeito em efeito, vamos fazendo um país.
E um país é feito de gente, só para lembrar.
Gente que acorda cedo pra trabalhar,
gente que faz seu serviço direito,
gente que transforma luto em luta todos os dias.
Gente que oferece flores à tropa de choque,
causando como efeito
um tanto de assombro e esperança,
chamado urgente de paz e mudança.

domingo, 9 de junho de 2013

Ode ao Dia dos Namorados


A cena é linda, eu diria perfeita.
O namorado pára o carro em uma rua tranquila,
venda os olhos da namorada
e coloca uma música que fala de amor.
De repente a rua é tomada por casais de namorados
passeando de mãos dadas, sorrindo enamorados
entre beijos, abraços, flores e balões.
(Armação criativamente inventada,
famoso flashmob dos dias de hoje.)
Os olhos outrora vendados não acreditam no que vêem.
Choram de emoção, pupila dilata, fala falta.
O clímax chega na forma de uma caixinha preta
de veludo que delicadamente se abre,
mostrando duas alianças de ouro.
- Quer se casar comigo?
(...)
- NÃO.
(...)
Não?!?
A cena é inesperada, eu diria imperfeita.
Imperfeita como a vida é, afinal.
Plena de encontros e desencontros,
amores correspondidos e doídos,
porções inteiras de sim e não.
É com a recusa de um pedido do casamento
em pleno 12 de junho que começa o filme
"Odeio o Dia dos Namorados".
O nome é curioso. Chama atenção
pelo forte antagonismo do verbo utilizado
em relação a uma data tão cheia de amor pra dar.
Aí você torce o nariz. Esvazia-se de toda
e qualquer pretensão já prevendo
uma tola comédia romântica cheia de clichês.
Lêdo engano.
"Odeio o Dia dos Namorados" é leve,
engraçado, ficcional e também muito real.
A mulher que não aceitou se casar
foi um dia a menina que botava fones de ouvido
para não ouvir a briga dos pais.
A publicitária viciada em trabalho
viveu um dia abstinência de amor
nas suas decepções de adolescente.
Um acidente de carro pára tudo, movimenta tudo,
dá a ela a oportunidade de voltar no tempo.
Pausa providencial, Divina Providência
dando uma explicação a tudo.
Depois de tanta "viagem", nasce o slogan
do bombom Sonho de Valsa: "Alimente o seu amor".
Como ex-redatora publicitária, adorei.
Era o slogan que eu gostaria de ter criado.
Como psicóloga, ouvinte frequente das trincas
que muitas vezes esfarelam as relações afetivas, validei.
O amor - a despeito de todos os traumas,
vazios e antagonismos - tem fome e sede,
necessidade constante de cuidado e nutrição
para não correr risco de inanição.
Deve ser por isso que os restaurantes
fazem fila no Dia dos Namorados.
Oficialmente os casais ficam ávidos
de rua, lua, vinho, ninho,
famintos que estão de amor.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Perolices edificantes


Na volta da escola, vou entrando no mundinho da Bella,
perguntando como foi seu dia:
- Então, minha flor, o que você aprendeu hoje?
- Aprendi a ter dúvidas!
É. Dá-lhe Sócrates, "só sei que nada sei".
................................................

Comentário do Léo no final do domingo:
- Mãe, você sabia que a vovó bebe?
- É, de vez em quando ela toma uma cervejinha...
Por que a surpresa, meu filho?
- É que ela não é adulta, é idosa...
.................................................

Bella empolgada para ir ao sítio:
- Ai, eu tô tão feliz!
- Por que, Bebella?
- Por que eu vou ver minha cachorrinha, a Teca.
Ela ficou ENGRAVIDADA!
.................................................

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Engano


Por engano dois bebês são trocados
logo após o nascimento.
Por engano, susto, pânico eles se misturam no refúgio,
nascidos que foram em meio ao bombardeio.
O menino israelense ganha o colo da mãe palestina.
O menino palestino ganha o colo da mãe judia.
Os meninos crescem, a verdade aparece
com a força de uma granada.
Apesar das diferenças tão abissais e gritantes,
os dois filhos se encontram.
As duas famílias se reúnem para jantar.
Os olhares se cruzam.
Os lábios entoam uma canção familiar.
As raízes se ampliam.
As fotografias falam.
A tocante ficção de "O Filho do Outro"
é vida real na história de algumas vidas.
Por engano se cometem erros,
desastres, equívocos sem fim.
Por pertencimento rompem-se barreiras,
desfazem-se mal-entendidos,
se desmancha um muro inteiro.
A sensação de pertencer a uma família, uma pátria,
uma barriga ou a um time de futebol
fica desde sempre registrada
na alma, no sangue, na carne.
Impressão digital, profundamente emocional,
que guerra nenhuma jamais apaga.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Diante do muro


É de pedra, emoção, tijolo e terra o meu lamento.
Pelas mulheres que não podem rezar.
Pelos homens que desaprenderam a amar.
Pelas crianças esquecidas.
Pelo adoecer repentino.
Pelos encontros tão doídos.
Pelo diálogo surdo.
Pela polêmica vazia.
Congresso de azia.
Pelo grito mudo.
Vida no escuro.
Rua sem lua.
Pelo amor de Deus, que lê os bilhetes do mundo.
É de letra, luz, rascunho e rima o meu intento.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Rotina


"Um, dois, feijão com arroz."
Fez onde, esse curso de robô?
Roubou seu tempo, economizou conversa jogada fora,
suas estrelas deixou de contar.
Toca o despertador. Começa o noticiário.
Árido o dia que termina assim.
Tão no automático.
No imediático, se é que existe palavra assim.
Brinca de parar o tempo, menino.
Tanta coisa pra fazer, alma trancada no sótão.
Sai da catatonia, fura a monotonia
como surfista quebrando onda.
Vai morrer de amor mas não morre na praia.
Sai do padrão, faz careta pra escuridão,
acende os olhos para não perder de vista
a paixão que há tempos te ronda.
Compra logo uma lanterna roxa e sai por aí.
Vai bater ponto na vida.
Faz serenata, essa coisa tão antiga.
Vai contar causos de pescaria.
Tricotar com a avó.
Ou teclar, bater um blá, sei lá.
Acende uma lareira e junta os amigos.
Dá férias pro chefe e prepara panqueca de abacate
com pimenta rosa.
Mas troca essa voz robótica,
esse jeito previsível de fazer tudo igual sempre.
Desde sempre é que não foi. Foi?
Desrobotiza. Miraculiza. Externiza.
Xis. Sorria.
Você não está sendo filmado.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Mães de carne e osso


Sim, existem mães perfeitas.
Insistentemente magras, endeusadas,
santas, heroínas, mitificadas.
Consagradas ao posto de mulher-maravilha ou elástico,
horário nobre no paraíso.
Tão compactadamente cheias de pó compacto,
photoshop, barrigas de plástico.
Abra o jornal e lá estão elas:
impecavelmente perfeitas nos anúncios publicitários,
vendendo de perfume a geladeira para o Dia das Mães.
Desligo a TV e me olho no espelho.
Cansaço e alegria.
Labuta e correria.
Colo e coragem.
Amor e ancoragem.
Reza e anjo da guarda.
Não sei mais quantas linhas de expressão.
Cada uma um significado,
uma noite perdida, uma vida inteira ganha.
Ô. Presente que não se encontra
em loja nenhuma do mundo.
Luz que não se acende com mil camêras,
mas dentro dessa mãe que é de carne e osso.
Sim. Se você não sabia, mãe é de carne e osso.
Erra e tropeça também.
Borra a maquiagem, quebra o salto,
se perde nos seus achados,
agenda reuniões diárias com Deus.
Ainda bem que é de carne e osso.
É dessa combinação que nascem
os abraços mais apertados,
amorosos, verdadeiros, inteiros,
cheios de afeto e de uma ligação única,
que propaganda nenhuma jamais conseguiu inventar.

sábado, 13 de abril de 2013

Perolices profissionais


Para as crianças, profissão é um assunto que não costuma causar muita polêmica.
A boa e velha frase "O que você vai ser quando crescer?" traz algumas respostas na ponta da língua.
A Bella, por exemplo, já decidiu que vai ser psicóloga, escritora, cozinheira e professora.
O Léo quer ser engenheiro de lego, arquiteto, ator e diretor de filmes de ação. De 007 pra cima.
Aí eles crescem e, na hora H, percebem que escolher a profissão da sua vida não é algo tão simples assim.
Dá-lhe angústia. Dá-lhe dúvida. Dá-lhe sessão de terapia e teste vocacional para definir
seu ganha-pão, sua rotina diária, seu brilho nos olhos. (O fundamental brilho nos olhos.)
E aí um dia, além de profissionais, eles viram pai e mãe, sempre apressados para trabalhar,
e ainda tendo que parar para explicar aos filhos o que significa essa correria toda:
- Mas, mamãe, por que você tem que trabalhar? Vou ficar com saudade!...
- Por que a mamãe tem que ganhar dinheiro para pagar a escola, pagar a nossa ajudante,
comprar coisas gostosas pra gente comer... Suas roupas, seus brinquedos,
sua festa de aniversário, tudo custa dinheiro.
Mas não é só por isso, minha filha: a mamãe adora trabalhar.
Vejo algumas mães sofrendo, carregando uma tonelada de culpa nas costas porque trabalham fora.
Elas se esquecem do modelo importante que são para os filhos:
modelo de gente trabalhadora, batalhadora, realizada, feliz.
E, apesar da saudade, os pequenos vão se enchendo de orgulho dos pais.
Outro dia a Bella estava numa prosa animada com a Sofia, uma de suas amigas prediletas,
justamente sobre esse assunto:
- Sabia, Bebella, que o meu pai é presidente da escola? (...)
- Pois o meu é síndico. Ele manda no prédio todo. (!)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Falta


A história você já conhece:
a gente nasce, cresce, envelhece e morre um dia.
(Não necessariamente nesta ordem.)
Mas o tal do morrer assusta,
por mais "natural" que seja.
É que o "natural" também passa
pelo forte impacto do factual,
da concretude da perda, do fim mais finito.
Quem parte vai virar etéreo, anjo, estrela,
na melhor explicação que costuma se dar às crianças.
Quem fica precisa se acostumar com a presença
doída, moída, torturante de uma ausência
que não estava no script,
apesar de lá estar desde sempre.
Por mais rezas e velas acesas,
somos acostumados ao material.
Somos afetivamente,
emocionalmente materialistas por natureza.
O telefone que toca. O colo que acolhe.
A voz que pergunta como foi o dia.
O comprimido, a alergia, a mudança de tempo.
Os pés entrelaçados na cama.
O perfume, o toque, o braço que abraça.
O termômetro que atesta a febre,
o copo de leite, a roupa cheirando à amaciante,
o fio de cabelo no travesseiro.
As gavetas, o criado-mudo, o prato predileto,
a risada inconfundível.
O controle-remoto, o Jornal Nacional,
o sofá agora imenso.
As manias, os sapatos, a cabeceira vazia.
E aí vem a missa de sétimo, vigésimo, milésimo dia.
Só o tempo para serenar a dor
e acalmar esse mar revolto
que um dia quase afundou seus olhos.
Quem se foi nunca precisou ter ido, essa é a verdade.
Quem se foi jamais se vai.
Vira estrela dentro da gente,
pulsando no coração há de eterno.
Tão dentro, tão perto, tão luz, tão sempre.
Saudade muda de nome, perde o sentido, perde o rumo.
Saudade a gente sente de quem está longe.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Apaixonadamente


Mania essa de viver apaixonadamente.
De transformar cada gota de suor, sonho,
travessia em grito de gol.
Alçar vôo, romper o chão.
Roubar a lua para pôr nos olhos.
Audaciosa e escancaradamente.
Deixar à mostra essa alegria que te move,
te acorda, te faz.
Fazer o para-casa, sair de casa,
mostrar ao mundo a sua cara.
Hospedar o Paul, lotar o estádio,
fazer o melhor café do mundo.
Pura energia, sintonia,
música que não desafina.
Voltar a enxergar.
Voltar a andar, mesmo que numa cadeira de rodas.
Colocar emoção num prato de arroz com feijão.
Pimenta a gosto.
Qualquer que seja o motivo é motivo.
Se alguém inventou a monotonia, que desinvente.
Que tente.
Você não tem tempo a perder.
Você não precisa ter medo de ser. Seja.
Viver apaixonadamente, lembra?
Taquicardia, perna bamba, tormento de encantamento.
Te dou dois segundos pra roubar a lua.

quinta-feira, 28 de março de 2013

No escurinho do cinema


E entre "cabruns", "grrrrrrrs" e "ôôôôôôôôôôs"
ouvidos em altíssima definição acústica,
como se estivéssemos todos em plena era pré-histórica,
fugindo de animais ferozes e pedras gigantes,
ganho uma cutucada da Bella:
- Mamãe, ainda bem que a gente não tá em casa, né?
- Por quê, filha?
- Por que senão você ia pedir pra abaixar o volume...
.....................................................

Tempo das cavernas


Adultos, hora do recreio.
Prepare-se para a pipoca, o riso e a emoção de "Os Croods", um filme impactantemente delicioso.
Impactante pelos cenários coloridos, abalos sísmicos em terceira dimensão, invenção do fogo. (Sim, você quase havia se esquecido que ele foi inventado um dia.)
Prepare-se para conhecer uma típica família do tempo das cavernas, conectadíssima com a fome, os perigos do mundo lá fora, a necessidade de sobrevivência.
Prepare-se para se encontrar com o seu adulto pós-moderno que, embora preso em outras cavernas, ainda morre de medo do escuro. De medo de amar. De se encontrar. De virar gente grande. De voar, de ser, de simplesmente viver. (Viver é perigoso, meu caro.)
Em quantas cavernas mais você tem se escondido? Por trás de qual celular, debaixo de qual cobertor, engolindo quantos analgésicos pra dor?
A DreamWorks não colocou isso lá na ficha técnica, mas Guimarães Rosa devia estar lá, no maior de todos os letreiros, lembrando que "o que a vida quer da gente é coragem". Coragem de transpor montanhas, desenterrar-se de areias movediças, descobrir novas paisagens, sair do lugar, romper com o escuro. (Olha o fogo aí fazendo todo o sentido.)
Foi-se o tempo que medo era invenção de criança. Hoje os pequenos tem medo de mosquito da dengue, mas são os adultos que acendem o abajur à noite, às voltas com os seus fantasmas.
Como se não bastasse, o filme ainda tem um quê especial de constelação familiar quando a filha rebelde se enche de coragem para tomar o pai medroso. Na energia de um abraço, na ligação de um "eu te amo", no abismo da dor de uma grande perda, o que acontece é força.
Adultos, ao trabalho.

domingo, 10 de março de 2013

Quarentena


Onde foi mesmo que eu parei?
Por onde mesmo andei?
Nem sei se andei, ou voei.
Tentando capturar o tempo, abraçar o vento,
florescer poesia na aridez das teorias,
terminologias, metodologias, "uis" e "ias".
E como escrevia. Lia, relia, respirava fundo. Doía.
Depois de tantos mergulhos no "eu", no ser,
na mãe - nas várias faces dessa mãe contemporânea
tão cheia de culpa, dedicação, amor, cansaço,
transformação, conflitos e ambivalências,
aqui estou, de volta.
Dedilhando leve nesse teclado
que andou pegando pesado.
Depois de um mestrado de muita estrada,
gente "normal" outra vez.
Que vai ao cinema, arruma gaveta, dorme depois do almoço, escreve no blog. (Quanta saudade.)
Coisas simples assim, tão bem-vindas
depois de uma longa e bonita caminhada.
Aqui estou.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Santa Maria

Não. Nem luto oficial de sete dias. Nem todas as flores do mundo. Nem cem minutos de silêncio ou palavras proferidas. Nem mil microfones para gritar, chorar, denunciar a violência de uma dor que tomou tudo, devastou tudo. Cessou a música, derrubou sonhos, asfixiou a alegria, interrompeu lindas travessias de vida. Finda. Fenda. Venda nos olhos pra não ver um morrer tão gigantesco, consternado e doído.
Não. Nada apaga a tristeza, o vazio, a forma absurda desse fim.
Santa Maria. O nome da cidade também é evocação da mãe de Deus. Quantos não precisarão do seu colo e da sua luz nesse susto escuro?
Quando o socorro chegou, a música não mais se ouvia. Mas ao silêncio dos alvéolos rompidos juntou-se o som dos celulares tocando. Uma sinfonia high tech de chamadas não atendidas e telas coloridas pulsantes imploravam por um sinal de vida. Num só aparelho, mais de 100 chamadas não atendidas. Em mais de 200 corpos, a lastimável desconexão da vida. Na vida de quem fica, a perda completa de chão.
Santa Maria, rogai por nós.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Empreendedorismo infantil

Sol. Praia. Água de coco. Céu azul de brigadeiro.
Entre uma onda e outra, pausa na sombra da Castanheira para a tradicional reunião de família. Assuntos delicados como "vai ser peixe ou camarão?", "caiaque ou banana?", "picolé ou sorvete?" vão sendo tratados, sem muita polêmica.
Quando o pé descansa na areia e os olhos se perdem parados no horizonte, onde o céu beija o mar, todos parecem chegar sem delongas ao consenso de que a vida é mesmo muito difícil. Dificílima.
E aí me aparece, para alegria de todos, um vendedor de cocada. Cocada preta, branca, de maracujá, leite condensado. Tem pra todos os gostos. Pode escolher.
Além do tabuleiro recém-saído do forno, o moço levava com ele a filha de seis anos, maiozinho no jeito pra quando o "serviço" acabasse.
Venda feita, missão cumprida, lá se foi o cocadeiro com o seu doce mais bonito.
Minha Bella, antenadíssima, ficou espichando os olhos para a menina, tão nova e trabalhadeira.
Aproveitando a deixa, o pai foi logo brincando:
- Tá vendo, Bella? Ela já trabalha, tá que vende cocada... E você, quando é que vai começar a trabalhar?!
(...)
- Quando você começar a vender!...
(!)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Perolices animais

Como já contei antes, férias em casa é um caso sério. Até brincadeira de psicólogo entra na história pra passar o tempo.
Então, para variar o repertório, resolvi deixar os meninos no sítio, cercados de cuidados dos avós, tios e primos mais que corujas.
E aí as brincadeiras mudaram de profissão: as crianças viraram veterinários, mergulhadores, cozinheiros, fazendeiros. Uma farra só.
Quando chegamos, um Léo afoito veio correndo contar o episódio do ano. (Já.)
- Mãe, você não acredita! A gente tava brincando perto da porteira quando viu uma cena horrível. A égua do vizinho tava empacada, e o caseiro começou a bater nela com um pau. Bateu tanto, mãe, que a boca dela começou a sangrar! Saiu muito sangue!
- Que absurdo, meu filho, ninguém fez nada?
- A vovó saiu gritando, falando pro moço parar, deu a maior bronca. Num é um absurdo, mãe? A gente tinha que denunciar! Tinha que chamar o Obama!
(!)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013