sexta-feira, 21 de junho de 2013

Cura de quê?

Fico pensando (e esse pensamento dói)
no quanto algumas profissões são exercidas
de forma leviana, negligente, doente.
Profissão é algo sagrado, meu caro.
Tem a ver com ganha-pão, honestidade,
respeito, realização.
Trabalho sério, principalmente
quando se lida com gente.
Principalmente quando se assenta numa mesa
para criar projetos de lei.
Projetos que não são de lego nem credo,
não se montam como se fossem brinquedo.
Projetos de lei, meu caro,
envolvem também projetos de vida.
Pressupõem gente que lê, que pensa,
que sente, que tem personalidade
e opinião própria.
Gente que sofre, que ama,
que se perde e se encontra,
cai e levanta, ri e chora.
Gente que tem sexo e nem por isso
tem um carimbo dizendo
como é que tem que amar.
Com quem é que tem que se deitar.
Gente que recusa projetos de lei
determinando uma cura absurda.
Que cura, meu caro? Que lei?
Por acaso amor mudou de nome?
Virou doença fazer uma escolha,
abraçar uma identidade,
se jogar nos braços da mulher ou homem amado?
Me fale mais sobre isso.
Deixe-me entender onde é que está a patologia.
No meu consultório é que não está.
Não vejo doença nos olhos do homem
que só tem olhos para outro homem.
Não vejo distúrbio na mulher
que sonha com outra mulher.
Não cometo o equívoco absurdo
de querer curá-los, meu caro.
Prezo o gay que se senta à minha frente
como prezo qualquer outro ser humano
que vem falar das suas dores, feridas, amores.
Basta ser filho de Deus para tê-las aos montes.
Se esse blog fosse um divã, meu caro,
Freud certamente lhe diria:
"Seu tempo acabou."

sábado, 15 de junho de 2013

Protesto

Existe uma lei universal de causa e efeito,
simples de entender.
Tudo o que você faz gera uma resposta,
mesmo que muitas vezes silenciosa.
Sua fala, seu rompante, seu abraço ou distância
reverberam longe, já que você não é uma ilha
e absolutamente não está sozinho nesse mundo.
Eu, que aqui escrevo
para desintoxicar meu sistema nervoso
das loucuras e absurdos que vejo por aí,
causo certamente um efeito em você.
A forma negligente, desrespeitosa e doente
como o nosso país vem sendo conduzido
causou, não era estranho de se esperar,
protestos que já são notícia no mundo todo.
O aumento na tarifa de ônibus
e o gasto exorbitante com a Copa
foram apenas a gota d´água.
O copo já estava cheio faz tempo -
derramando corrupção, violência, saúde em coma,
falta básica e essencial de educação.
Os jovens saíram do Facebook e foram às ruas
compartilhar, ao vivo e em cores,
sua revolta e indignação.
Alguns souberam fazer isso, outros não.
Uns fizeram bonito, outros fizeram estrago.
Referindo-me aos primeiros,
como povo brasileiro de um estado democrático,
eles tem - no mínimo - esse direito.
Mas a gota d´água desaguou em gotas de sangue,
senhores governantes.
Sua tropa de choque chocou um país inteiro
com suas bombas de gás lacrimogênio,
tiros de borracha, sprays de pimenta
borrifados até em cachorro.
Voltando à lei universal de causa e efeito,
tivemos aí um efeito devastador.
Desumano. Destruidor.
Temos aí um clássico exemplo
de quando o efeito é absurdamente maior
do que a causa.
Isso não acontece só nas ruas,
mas também nos casamentos,
nas relações afetivas e familiares.
Quando a reação, o castigo, o grito
vem de forma absolutamente desproporcional,
piorando tudo.
Silenciar assim a sua gente, senhores governantes?
O que poderia ser uma corrente pra frente acaba
virando corrente de chumbo voltando pra trás.
Década de 60, para ser mais exata.
Ditadura, tortura, abuso abismal de poder.
De efeito em efeito, vamos fazendo um país.
E um país é feito de gente, só para lembrar.
Gente que acorda cedo pra trabalhar,
gente que faz seu serviço direito,
gente que transforma luto em luta todos os dias.
Gente que oferece flores à tropa de choque,
causando como efeito
um tanto de assombro e esperança,
chamado urgente de paz e mudança.

domingo, 9 de junho de 2013

Ode ao Dia dos Namorados


A cena é linda, eu diria perfeita.
O namorado pára o carro em uma rua tranquila,
venda os olhos da namorada
e coloca uma música que fala de amor.
De repente a rua é tomada por casais de namorados
passeando de mãos dadas, sorrindo enamorados
entre beijos, abraços, flores e balões.
(Armação criativamente inventada,
famoso flashmob dos dias de hoje.)
Os olhos outrora vendados não acreditam no que vêem.
Choram de emoção, pupila dilata, fala falta.
O clímax chega na forma de uma caixinha preta
de veludo que delicadamente se abre,
mostrando duas alianças de ouro.
- Quer se casar comigo?
(...)
- NÃO.
(...)
Não?!?
A cena é inesperada, eu diria imperfeita.
Imperfeita como a vida é, afinal.
Plena de encontros e desencontros,
amores correspondidos e doídos,
porções inteiras de sim e não.
É com a recusa de um pedido do casamento
em pleno 12 de junho que começa o filme
"Odeio o Dia dos Namorados".
O nome é curioso. Chama atenção
pelo forte antagonismo do verbo utilizado
em relação a uma data tão cheia de amor pra dar.
Aí você torce o nariz. Esvazia-se de toda
e qualquer pretensão já prevendo
uma tola comédia romântica cheia de clichês.
Lêdo engano.
"Odeio o Dia dos Namorados" é leve,
engraçado, ficcional e também muito real.
A mulher que não aceitou se casar
foi um dia a menina que botava fones de ouvido
para não ouvir a briga dos pais.
A publicitária viciada em trabalho
viveu um dia abstinência de amor
nas suas decepções de adolescente.
Um acidente de carro pára tudo, movimenta tudo,
dá a ela a oportunidade de voltar no tempo.
Pausa providencial, Divina Providência
dando uma explicação a tudo.
Depois de tanta "viagem", nasce o slogan
do bombom Sonho de Valsa: "Alimente o seu amor".
Como ex-redatora publicitária, adorei.
Era o slogan que eu gostaria de ter criado.
Como psicóloga, ouvinte frequente das trincas
que muitas vezes esfarelam as relações afetivas, validei.
O amor - a despeito de todos os traumas,
vazios e antagonismos - tem fome e sede,
necessidade constante de cuidado e nutrição
para não correr risco de inanição.
Deve ser por isso que os restaurantes
fazem fila no Dia dos Namorados.
Oficialmente os casais ficam ávidos
de rua, lua, vinho, ninho,
famintos que estão de amor.