sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Perolices de férias

As merecidas férias escolares nem sempre coincidem com as merecidas férias dos pais. Nem sempre coincidem com o camarãozinho na praia, os castelos de areia, o galo cantando na fazenda ou os bonecos de neve pra quem vai mais longe. Uma parte coincide, é claro. Tem que coincidir, afinal somos todos filhos de Deus.
Mas dois meses de férias é fogo. Dá-lhe clube, piscina, casa da tia, vô coruja e amigos para fazer o tempo passar macio, alegre, preenchido.
Mas quando o "point" é em casa, há de saber equilibrar o tempo sem deixar a infância se aprisionar na obcecante-paralisante-alienante força tecnológica dos playstations, notebooks, aparelhos de LCD.
Haja criatividade para transformar crianças em pilotos de avião, veterinários, caixas de supermercado, bailarinas, cantores de rock. Dá-lhe Lego, Barbie, Poly, Playmobil. Dá-lhe bola de meia, caixa de ovo, argila, bicicleta e até "divã":
- Alô.
- Ei, filho, tudo bem? O que você está fazendo?
- Brincando de psicólogo.
- (!...)
- A Bella está meio sem paciência, então eu estou "atendendo" ela.
- E como é esse atendimento?!
- Ela entra, assenta e a gente joga paciência.
(...)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Começo do mundo

Os maias que me perdoem, mas prefiro pensar no antônimo mais lindo de fim.
Sim, nada de fim. Começo, como eu mereço. Como você, seu mundo, seu pequeno grande universo merecem. E ponto final. Ou melhor, reticências.
Enche de reticências a sua vida, enche de alegria cada página em branco, cada possibilidade imensa e rica da continuidade.
Então, já que o mundo está só começando, que tal pensar em tudo aquilo que você deixou parado na gaveta há um bom tempo? Todas as suas rugas, rusgas, sinal precoce de envelhecimento?
O que tem que acabar não é o mundo, mas tudo aquilo que tira a vida do seu mundo.
Picuinhas. Ladainhas. Dramas e tragédias. Casquinhas pra se agarrar. Caquinhos pra juntar. Ah, só de escrever já deu canseira.
Perde a estribeira. Aproveita que amanhã é o famoso 21 de dezembro de 2012 e decreta logo um feriado nacional. "Dia do Começo do Mundo", que tal?
Vai se acabar numa cachoeira, numa pista de dança, numa brincadeira de criança.
Acorda antes do sol, prepara o anzol, desengasga o "eu te amo" que ficou aí parado.
Olha nos olhos, canta no chuveiro, descobre o dom que ficou fora de tom.
Nasce de novo, chora de emoção, descomplica e despinica.
Vai beijar, vai suar, vai amar, vai viver.
Falta pouco pro mundo começar.

sábado, 15 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Devaneios

Perdeu a hora. 40 minutos, para ser mais exata. Atrasada para o trabalho, agradavelmente adiantada no sonho. Quase no finzinho, por que é mesmo que tinha que acabar? Esdrúxulo. Imprevisível. Indizível para o seu analista. Inanalisável, se é que existe essa palavra. (Existe.) Desejo, anseio, seios fartos para alimentar um berçário inteiro. 40 minutos de um efeito anestesiante vindo daquele sonho. Idos e findos, mistura de montanha-russa com surfe, logo ela que tinha fobia de altura e não sabia nadar. Nadica de nada. Nem bóia nem prancha, o que ela queria mesmo era um salva-vidas. Salva-vida, melhor dizendo, estritamente singular, sua vida é que pedia socorro. "Me salva se não eu morro", suplicava enquanto sonhava. Estava ficando expert em sonhar o insonhável, reiventar a neurolinguística e os neologismos, colorir a sinapse dos seus neurônios nervosos.
Depois de engolir sal, água e areia, acorda num sobressalto. Já passa das sete, "isto é um assalto."
Corre pro chuveiro, ducha gelada para lembrar a que veio. O mar vira água doce, a montanha ganha o sol, o sabonete adentra a pele, o chefe pode gentilmente esperar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Giovana

Bebês, chorinho, colo, cheirinho. A maternidade sempre me encantou, desde a notícia do Beta HCG até a emoção singular do nascimento. Tanto encantou que acabou virando dissertação de mestrado, quase um parto, não vejo a hora de dar à luz.
Quando não sou mãe sou madrinha, tia coruja, quem precisa de babador sou eu.
Numa disciplina de psicanálise me peguei fascinada pela teoria da identificação, em que o bebê se constitui, torna-se alguém, através do olhar da mãe. (Leia-se também pai, padrinho, madrinha, irmãos, vô e vó...).
A clássica cena da amamentação traduz na prática esse "olhos nos olhos" que fazem parar o tempo, abrindo as janelas da alma. "Esse seu olhar... quando encontra o meu... fala de umas coisas que eu não posso acreditar..."
Se o feriado passado fosse um música, com certeza seria Tom Jobim a embalar minha alegria. Honra e alegria de ser madrinha da Giovana, filha de amigos queridos, a uma distância de quase 800 km daqui.
Pageei a Giovana de longe, antes dela nascer. Amei a Giovana de perto, antes mesmo de a conhecer. E quando o encontro finalmente aconteceu, tudo isso não passou de mera e linda confirmação.
Bochechas sorrindo, trinado de passarinho, aconchego de colo, rosto colado no meu. Na hora do batizado, em que seria natural que ela chorasse, só fazia rir pra mim.
Mas o que mais me tocou foram os olhos de Giovana adentrando os meus. Olhos que no final das contas se fundiram, desapareceram para dar lugar a um olhar cheio de ternura e doçura. Parecia que já nos conhecíamos há muito tempo.
E esse olhar me dizia tanto, mas tanto, que madrinha e afilhada quase se perderam de tanto amar.
Contrariando a teoria, Giovana, foi você que foi me constituindo através da luz desse seu olhar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Guarde na memória

Tem coisas que você não se lembra mais. Tem coisas que grudam na memória como Super Bonder. Super doídas, absurdamente vivas, capazes de arrancar pedaço e tirar o sono. Tem gente que se pergunta como é que a ciência ainda não inventou a pílula do esquecimento. Quem dera esquecer o trauma, o susto, a dor que decidiu não parar de doer.
E quem é que disse que precisa de ciência para apagar a memória?
Basta ser gente. Basta ter um cérebro, um nome, um RG, uma família, um endereço para se esquecer de tudo. (Ou quase tudo.)
Foi assim que aconteceu com a Tia Zirinha. Parênteses: tia iluminada, querida, que desde o início não titubeei em adotá-la como minha. Tia do meu marido, madrinha de casamento, fada madrinha. Jamais vou me esquecer da sua energia, do seu afeto, da sua abundante força e alegria.
Não consegui disfarçar minha tristeza quando soube que o Alzheimer tinha lhe feito uma visita. Mal-educado, esse mal que parece estar na moda. Nem sequer foi convidado, chegou de surpresa. Arrombou a porta, armou acampamento, entrou na vida dela sem pedir licença. Será que veio para apagar da memória coisas pesadas e difíceis que ela teve que viver? Ouso pensar que o Alzheimer vem com o propósito de dar uma trégua, um apagão a quem já sofreu muito um dia, e carrega lembranças de entortar a alma. Mas não. Não combina com a fibra e a luz dessa mulher que sempre teve um entendimento especial da vida. "Se vivi, é porque tive que viver, minha filha. Nada é por acaso."
No aniversário de um cunhado também muito querido, me encontrei com ela pela primeira vez depois da doença. Tiveram que "apresentá-la" para mim. Sua afilhada virou uma simpática desconhecida. Ao afilhado ela olhou com carinho e disse:
- Não te conheço, mas você é um moço bonito. Homem bom. Precisa arrumar uma moça boa para se casar.
(...)
Se já estava emocionada, foi aí que chorei mesmo.
(...)
Mas emocionante mesmo foi o reencontro dela com a filha que estava morando nos Estados Unidos há anos. Carinhosa feito a mãe, Walquíria telefonava todos os dias, interurbano de longa distância e um oceano inteiro de amor ligando as duas. Fazia isso como um ritual, mesmo sem garantia de que a mãe a identificasse ou reconhecesse, pois a memória já falhava inclusive com os filhos.
Quando chegou ao Brasil, a mãe estava dormindo, mas a voz inconfundível que vinha da cozinha foi como despertador. Despertamor.
Sem estranhar tão ilustre visita, olhou a filha nos olhos, passou a mão no seu cabelo, deu um sorriso seguido do abraço mais doce que podia dar na vida e disse:
- Minha filha!...
O "minha filha" mais lúcido, amoroso e cheio de discernimento para alguém que não se lembra mais onde mora, qual o seu nome, quantos anos tem.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Primeiro de Novembro

Amanheço.
Agradeço.
Enterneço de amor pela montanha
que faz nascer o sol.

Choro olhos enluarados de emoção.
Agradeço a todos os santos, todos os anjos,
todo santo dia por este novembro
que nasceu poema.

Primeiro de novembro.
Te escrevo, te leio,
te recito, te lembro.

Entardeço.
Agradeço.
Enterneço de novo de amor
pela montanha que guarda o sol,
por cada pedaço seu que mora em mim.
Adormeço nunca esse amor que não tem fim.

domingo, 28 de outubro de 2012

Curtição

Tô perdida.
Um segundo que eu larguei o computador
para atender o telefone
e a Bella pirulitou pra cadeira,
mãozinha a deslizar pelo mouse,
olhos parados na página do facebook.
Enquanto eu conversava com uma amiga
que não via há muito tempo,
a danadinha clicou numa propaganda
de brinquedos infantis no lado direito da página.
Curtiu, curtiu, curtiu. Não tenho dúvida que curtiu.
Quando eu voltei, ela já tinha colocado no carrinho
um armário da Barbie no valor de R$ 1.499,00.
(...)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Sexo frágil

Você não deve estar entendendo nada.
O que este título está fazendo aqui, depois do lindo tributo às mulheres prestado no post anterior?
Que história é essa de sexo frágil, Renata?!
(...)
É a história - várias histórias - que tenho visto
e ouvido sobre algumas mulheres.
A cada história uma personagem, uma fantasia,
um quê de forte fragilidade.
Essas mulheres há muito largaram o tanque e o fogão, queimaram o sutiã em praça pública,
se desvirginaram do tabu de casar virgem.
Não se trata aqui de direitos iguais, salários menores, revoluções feministas ou outros pormenores.
Trata-se de pensar na forma como essas mulheres andam lidando com os seus afetos, suas buscas, idiossincrasias mais nuas.
Agora elas não queimam mais sutiã em praça pública.
Segundo testemunhas "cardio-oculares",
elas queimam o filme, esturricam
o pouco de amor próprio que lhes resta,
desfazem-se em mil pedaços.
Esvaziadas de autoestima, movidas pelo desespero e achando que podem tudo, essas mulheres escancaram
sua fragilidade velada. Seu sexo frágil.
Tenho visto alguns homens incomodados
com essas mulheres. Tenho visto algumas mulheres
com vergonha dessas mulheres.
Andam dizendo que elas se jogam, se desmerecem,
se deitam na bandeja pro garçom levar.
Não sabem, não conhecem,
não colocam-se no seu lugar.
"Será que não sabem?", entoam os advogados do diabo.
Segundo as más línguas, essas mulheres usam disfarce de coitadinha, impregnadas da própria carência,
saltos transformados em rasteirinha. Rasa inocência.
Línguas mais ferinas dizem que elas se fantasiam
de lobinhas bobinhas em pele de cordeiro,
maquiagem borrada, assustadoramente
enganando a si mesmas.
Línguas amigas interrogam a quantas anda
sua autoestima, sua inteireza, seu espelho.
Retomando Simone de Beauvoir,
"não se nasce mulher, torna-se mulher".
E quando me perguntam no que estas mulheres
estão se tornando, ofereço um refresco de maracujá,
rede na varanda e convite pra filosofar.
Cessar fogo. Trégua de pedras.
Olhos se abrindo em colo pra compreensão chegar, gentilmente se aninhar.
Rompendo com todos os rótulos e estereótipos,
resta o grito doído da mulher que pede arrego,
rumo, paradeiro, colete salva-vidas, prumo.
O que lhe falta?
Bússola, luz, caminho, porto seguro.
Muitas vezes não é a mulher que grita.
É a criança que chora. Sapateia. Faz pirraça.
Joga as tranças do alto da torre,
se agarrando num fio desesperado de esperança,
ensandecida para chegar em algum lugar.
Que lugar, Rapunzel?
Perdida nos seus descaminhos, absorta
em sua greve de sono, precisa fechar os olhos,
apagar a luz, programar o despertador
para enfim acordar mulher.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Mulheres

"Não se nasce mulher, torna-se mulher."
É de Simone de Beauvoir a célebre frase que tantas mulheres - feministas ou não, famosas ou não, carregam na alma e no olhar.
Dê a estas mulheres um espelho e ali estará toda a sua poesia em movimento - olhos, cílios, boca, seios, jogo de pernas, salto alto, cintura. (Muito jogo de cintura.)
Dê a estas mulheres um divã e ali estará sua vida inteira em paralisia ou movimento - suas escolhas, seus medos, vontades, desejos, delírios, alucinações mais cheias de lucidez.
Sua menina já foi dormir faz tempo. Virou Bela Adormecida esquecida num castelo no meio da floresta. Esquecida pelo príncipe, que lembrou que ele mesmo não existe. Carregada no colo pela mulher, embalada pelas lembranças do que um dia foi. Foi, já não é.
Dê a estas mulheres um homem de verdade e ali estará sua alma, sua carne, seu corpo, sua mente.
Mente quem diz que já se nasce mulher. Nasce a menininha linda, dengo da tia, xodó da vovó. Torna-se mulher com o tornar dos dias, noites, anos a fio. Nasce a primeira espinha, o primeiro amor, a primeira dor. Torna-se mulher quem se apropria de si, com todos os arranhões que a vida traz. Torna-se mulher quem diz tudo com o olhar, sem códigos ou legendas. Quem vai pra cama sem dormir com os anjos. Quem toma à frente sem fazer revolução. Quem atravessa o deserto sem pedir colo. Quem faz dos rascunhos poesia. Quem faz de um perfume sua autoria.
Torna-se mulher quem sabe amar por inteiro
sem nunca ter feito um curso de amor no exterior.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Motivo nenhum

Não era seu aniversário. Nenhuma data especial, nenhum evento extraordinário no calendário.
Nada importante a comemorar, a não ser a própria vida.
SUA vida, inteira e simplesmente.
Passou numa floricultura, saiu perfumando a rua.
Passou no salão, marcou um spa de pé.
Passou a mão na bolsa, foi namorar vitrine.
Lingerie, boulangerie, sortie.
Saiu de fininho, à francesa,
de um relacionamento há algum tempo engessado.
Entrou na delicatessen e sorveu o perfume dos vinhos. Delicadamente.
Degustou queijos, cerejas, licores.
Pôs no carrinho. Pôs-se a caminho.
Ligou o carro, seguiu em frente
com "As quatro estações" de Vivaldi.
Tocou o celular, não ouviu. Nona chamada não atendida
do moço que deixara a relação de pé quebrado,
com vários ligamentos rompidos. Doídos.
Levada pelo som vibrante dos violinos, seguiu em frente,
sentindo-se pela primeira vez regente da sua vida.
Chegou em casa exausta de alegria.
Tomou um banho de espuma, espalhou velas pela sala.
Risotinho esperando na panela,
vinho resfriando na adega.
Profusão de aromas, cheiros, temperos.
Combinações as mais variadas: cereja com queijo,
funghi com páprica, chocolate com pimenta.
No banheiro ainda tomado pelo vapor,
o celular registrava a décima quinta ligação perdida.
Toque de campainha. Vizinho do sexto andar,
como quem não queria nada, querendo tudo,
xícara vazia na mão pedindo
um cadinho de arroz arbóreo.
Trocou a xícara por uma taça de vinho.
Casa inteira perfumada de risoto a quatro mãos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dia do Perdão

Quebro meu jejum de quase trinta dias
ao fim do Yom Kipur.
Jejum de palavras, rimas, versos, vírgulas.
Quase morro de inanição.
Sinagoga cheia (nunca vi tão cheia) no Dia do Perdão.
Cheia de raízes, netos, filhos.
Cheia de Deus, de mim, começo e sim.
Lindeza de gente reunida pelo perdão.
Pelas perdas que vieram antes dele.
Pelo coração deficitário de amor,
urgente de paz, infartado de dor.
E aí vem a reza, o canto, as velas acesas pelas crianças.
Vem a esperança de regar o que se deixou
erodir, esvaziar, ruir.
Vem a árvore da vida ligando o céu à terra,
num instante abençoado de luz.
Vem da alma a capacidade genuína de amar
mesmo aquilo que um dia foi erro,
tropeço, queda, distância.
Vem o jejum para lembrar o que falta.
Vem o perdão como banquete de amor.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Rotina de trabalho

Trabalho no oitavo andar com vista pro mar.
Entre uma pausa e outra, café com biscoito,
descanso os olhos sobre o verde-azul infinito
que decora o fundo de tela do meu computador.
....................................................................
Trabalho no oitavo andar com vista pro AMAR.
Entre uma caixa de lenço e outra, detenho os olhos
sobre as mais variadas espécies de dor.
A dor de quem perdeu alguém.
A dor de quem procura alguém.
A dor de existir. A dor de sumir.
A dor de amar. A dor de remar.
A dor de crescer. A dor de nascer.
A dor da culpa. A dor da luta.
A dor da mãe, do pai, do filho.
A dor de barriga, cabeça, cílio.
A dor da profissão. A dor da escuridão.
A dor do trauma. A dor da alma.
A dor do rompimento. A dor do ligamento.
A dor de mendigar amor.
A dor da idade. A dor da infertilidade.
A dor do encontro. A dor do desencontro.
A dor do vazio. A dor de ver navios.
A dor do ser. A dor do ter.
A dor do estudo. A dor de tudo.
.............................................................
Entre uma dor e outra, avisto o mar
transbordar pelos olhos de quem chora.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Filosofia infantil

E depois de muito filosofar sobre Deus, minha Bella vai crescendo cheia de "comos" e "por quês", ora perguntando, ora afirmando, atenta aos mínimos detalhes do que acontece no mundo.
- Mamãe, como é que faz canudo?
- Por que que o copo é redondo?
- Por que que o carro bate?
- Como é que o cabelo cresce?
- Se o papai não voltar de viagem hoje, acho bom eu dormir com você pra te fazer companhia...
- Melhor desenhar a menininha sem nariz mesmo. Se não vai ficar parecendo que ela tem um terceiro olho.
- Quero ir pra Itaipava com a vovó!
- Amanhã é depois de hoje?
- Os meninos são tão complicados!...
- Ah, vou dormir. Cansei de pensar! (...)

Há uma semana, do nada, anunciou no almoço que queria cortar o cabelo. Chanelzinho.
Sem pestanejar peguei o telefone e marquei o salão para os próximos trinta minutos. Antes que ela desistisse.
(Há um mês tentava convencer a pequena e nada. Personalidade forte, não abria mão do cabelo grande de jeito nenhum.)
Curiosa, tive que perguntar:
- Ué, Bella, o que deu em você?
- É que eu tava andando lá no pátio da escola, e vi a minha sombra. De cabelo curto. Achei tão bonito, mamãe, que tive inveja de mim. (...)

domingo, 5 de agosto de 2012

Começo de tudo

Minha Bella anda pra lá de filosófica.
Ontem à noite, já na cama, depois de todo o ritual para dormir, me vem ela com a seguinte perguntinha:
- Mamãe, quem é que criou Deus?
(...)
- Deus? (...) Ah, minha filha, Deus sempre existiu. E com a sua luz, com a sua força ele criou o mundo.
Não se dando muito por satisfeita, a danadinha insistiu:
- Mas quem criou Deus, mamãe?
- O amor, filha. Foi o amor que criou Deus.
E com esse mesmo amor enchi a pequena de beijos de boa noite, dorme bem, sonha com os anjos.
No dia seguinte, céu de brigadeiro, bem-te-vi cantando, Dia da Pipa na Praça do Papa, lá vem ela de novo:
- Mamãe, sabe quem criou o amor?
A PAZ!
...........................................

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Listinha da mulher pós-moderna

Supermercado, sacolão, arroz com feijão.
Fazer a unha, o álbum de fotos, a digestão.
Brincar com as crianças.
Jogo da memória. (Memória?)
Exame de sangue.
Sangrar o tempo.
Ioga. Judô. Vale-Tudo. Tudo?
Jogar fora os controles-remoto.
Levar os edredons pra lavar.
Perfumar a cama.
Ensaiar que ama.
Limpeza de pele.
Curso de corte e costura. Jura?
O cartucho acabou. A impressora estragou.
Reunião de condomínio.
(Dá pra ser virtual? Não me leve a mal.)
Chora. Ri. Medita.
Pedido de casamento. Acredita?
Bate ponto. Conta ponto.
Leva o filho pra tomar ponto.
!!!
Reunião com a diretoria.
Chá das cinco. Balada das dez.
Borrar a maquiagem na terapia.
Ser mulher, mãe, amante, filha.
Promoção de pilha.
________________________________
(Aumente a lista.)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Homens

Três homens num boteco, cerveja estupidamente gelada, conversa pra jogar fora.
"E aí, comeu?"
A típica perguntinha circulante no universo masculino anda provocando risos no cinema.
Adaptado de uma premiada peça de Marcelo Rubens Paiva, o filme é uma ótima pedida para relaxar, descontrair e sorver um pouco da alma masculina.
Sim, alma masculina.
Por trás de todos os estereótipos, jargões e posturas que criam verdadeiros abismos entre homens e mulheres, fomentando a velha e boa guerra dos sexos, ainda há espaço para amar. E com o espaço para amar vem a dor do amor, como não poderia deixar de ser. A dor de ser traído, a dor de se separar, de se apaixonar e querer casar.
Sério.
Sim, meninas, "os brutos também amam". Também sofrem, suam frio, fazem cena e - acreditem - também choram.
"E aí, comeu?" faz em determinado momento menção aos nove casamentos do grande poetinha Vinícius de Moraes e homenageia Chico Anísio pelos seus seis.
Amor (e peleja) é o que não faltou para estes homens de rara sensibilidade.
Um dos botequeiros da trama e filho de Chico Anísio, o adorável ator Bruno Mazzeo, disse que o filme "é uma declaração de amor às mulheres".
Acredite. É mesmo.
"Garçon, vê uma bem gelada."

sábado, 7 de julho de 2012

Emergência

Tudo bem que infecção urinária
é um negócio bem aflitivo.
Casinha de dois em dois minutos, dor e calafrio.
Por conta dessa aflição toda fui parar no hospital,
já que a prudência manda fazer exames
antes de entrar no antibiótico.
O problema é quando você já está nesse processo
e ainda vem o riso pra contorcer um pouco mais
a bexiga, já a ponto de explodir.
Meu pai, que é um fofo de um coruja,
super-hiper-ultra protetor,
me levou e ficou inconformado de ver
que a minha pulseirinha era da cor verde,
ou seja, prioridade normal de atendimento.
Enquanto eu tentava me distrair
compartilhando no facebook o post anterior,
lá foi ele lá na mocinha da recepção
pleitear um upgrade na cor:
- Tem certeza que não dá pra colocar ela na frente?
- Infelizmente não, senhor. Ela não corre risco de vida.
(...)
Todo o vermelho que a pulseirinha não tinha
foi parar no meu rosto.
Risco de vida não, moça. Só de explodir.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Culpa materna parte 2

Dessa vez eu não tinha aula no mestrado. Parênteses: as aulas acabaram. Agora é só escrever, escrever, escrever. Enfim sós: apenas eu, meus livros, meus neurônios e minha orientadora que eu "ganhei na loteria".
O título da minha dissertação? "Modos de ser mãe na contemporaneidade." Hum. Pois é. Olha eu aqui escrevendo sobre culpa materna parte 2. Me sentindo objeto de pesquisa da minha própria pesquisa. Me sentindo culpada porque no dia anterior fui ao cinema (também sou filha de Deus), não abri a agenda da Bella e não vi o bilhete da apresentação de inglês pra encerrar o semestre. Fui saber do evento pela Mariana, mãe de uma coleguinha, outro ganho de loteria na minha vida.
Remanejamentos de horário aqui e acolá, conseguimos chegar pontualmente à escola, eu e o Dé. (Mega Sena acumulada: pai e mãe indo à apresentação de inglês da filha.)
Cruzamos com ela na escada, de mãos dadas com a ajudante da professora, indo até a secretaria para me ligar, já achando que eu não iria. Passando da "chuezice" à alegria, pulou no meu colo e chorou um choro de emoção, surpresa e alívio. (Alívio digo eu, ufa.)
Enquanto não começava a apresentação, fui "tricotando" com as outras mães sobre a ginástica que a gente faz pra não perder uma coisa dessa. E da culpa que a gente tem quando perde. Uma das mães, que cruzou a cidade para estar ali aquela hora, disse ter dito pro chefe: "Vou ali e já volto." (!) Como ele não perguntou onde era "ali", ali ela estava. E ainda remendou: "Mãe pode fazer terapia a vida inteira que ainda vai ter culpa."
Para as mães que compartilham dessa ideia, repasso o que aprendi (que bom que aprendi) com outro querido professor, Eduardo Gontijo, da cadeira de Ética (só podia ser): "O amor é requisito para a culpa."
Se nos sentimos culpados, é porque há muito amor antecedendo este sentimento pesado e difícil de viver. Através do amor, podemos transformar o nosso olhar diante da culpa, e até nos sentirmos menos culpados.
Que isso sirva de alento (como cobertor e leite quentinho) para as mães que não puderam ver seus filhos cantando e dançando em inglês. Se os seus filhos choraram durante a apresentação e foram habilmente conduzidos pela professora até o parquinho (ainda bem que inventaram o balanço e o escorregador), com certeza não foi por falta de amor.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Culpa materna

Semana do Dia das Mães, um ano atrás. Vem na agenda da Bella o seguinte bilhete:
"Mamãe, venha assistir nossa apresentação de inglês na próxima sexta-feira, às 14 horas. Você é nossa convidada especial."
Ui.
Justo naquele dia, exatamente naquela hora, eu tinha aula de Ética no mestrado com trabalho para apresentar.
Socorro.
Apelei pra minha mãe, que rapidamente se incumbiu de ir no meu lugar. Super vó.
(Corta.)
Uma hora da tarde, eu lá no meu mestrado tentando me concentrar na aula de Ética, alternando os olhos entre o datashow e o relógio, pensando na Bella cantando "Hello, everyone, tralalalalááááá!..."
Ai.
Que vontade irresistível de ser clonada, duplicada, virar mulher elástico de repente.
Adivinha o assunto da aula: CULPA.
E eu lá, péssima de ver o ponteiro do relógio andando, imaginando o que eu estava perdendo.
Movida por um impulso desesperador, levantei a mão e perguntei à professora:
- E o que que a gente faz com a culpa quando está assistindo aula e a filha está na escola, fazendo uma apresentação para o Dia das Mães?
- O quê?! Sua filha?! Apresentação na escola? Pega suas coisas e vai embora agora! Assina a lista de presença e tchau. Sem culpa.
Completamente rubra-rosa, surpresa, aliviada, dei um beijo na melhor professora de Ética da minha vida e saí desabalada, me sentindo a própria Indiana Jones em busca do tesouro quase perdido.
Cheguei na escola esbaforida, faltando dois minutos para a apresentação.
As crianças já estavam a postos na rodinha, se aboletando no colo das mães. Menos a Bella, assentada no chão, perninha de índio e bochecha apoiada na mão.
Deu um pulo quando me viu, saiu correndo, quase me derrubou com aquele abraço.
Happy, great, delicious hug. Sem ruga nem culpa.
...............................................
Tudo isso pra contar que hoje teve mais uma apresentaçãozinha de inglês da Bella lá na escola, com direito a "ser filho também é padecer no paraíso." Aguarde o próximo post.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Encontro marcado

Tomou um banho de horas.
Shampoo, condicionador, esfoliante,
óleo de maracujá para acalmar o mundo
que costuma carregar nas costas.
Pintou as unhas, passou perfume, hidratou as rugas,
passou a perna no tempo.
Batom vermelho, sombra nude, luz que sempre foi sua.
Há um bom tempo não se sentia assim.
Descompromissadamente inteira, dona de si, faceira.
Completamente face to face,
nenhum vestígio seu no facebook.
Olhou o relógio, subiu no salto, entrou no táxi.
- Restaurante Outono, por favor.
Leve aumento da frequência cardíaca.
Última retocada no batom.
Mesa reservada com o seu nome, vela acesa.
Atraso de vinte minutos.
Suspiro sutil de quem se preparou
há anos para este encontro.
Sentou-se tranquila, cruzou as pernas,
chamou o garçon, pediu um vinho.
Fez da taça espelho, sorriu por dentro,
brindou sozinha a alegria.
- Espera alguém?, interrompeu o garçon.
Ao movimento negativo da cabeça
sobreveio o movimento leve da alma, do corpo,
da emoção de quem um dia finalmente se encontrou.
Solitariamente bem-acompanhada.

sábado, 16 de junho de 2012

Uma judia no campo de concentração


O inesquecível roteiro de viagem à Alemanha incluía castelos medievais, sinos no café da manhã, alpes com neve margeando a charmosa Estrada Romântica.
Campo de concentração não. Não combinava, não precisava, absolutamente não fazia parte dos nossos planos.
Mas como em determinado momento a viagem a dois se transformou num grupo de vinte, e em grupo há de haver flexibilidade e jogo de cintura, os planos acabaram mudando. Em poucos minutos estávamos no trem para Dachau, famoso campo de concentração próximo a Munique.
Quando visitou esse lugar há tempos atrás, minha mãe arrumou as malas e foi embora da Alemanha no dia seguinte. "A energia era pesada demais, filha".
E foi com essa certa dose de preparo e coragem que entrei em Dachau. Algo me dizia que eu não poderia deixar de viver essa experiência, por mais árida e dolorosa que fosse.
Paralisada por alguns minutos na entrada, parte da tensão se transformou em surpresa com a fala do professor: "Seguindo alguns metros à esquerda, vocês verão vários templos: católico, protestante, judaico e ortodoxo-russo".
"Tem Deus neste lugar", pensei. Não tive dúvida de que era por lá que tínhamos que começar.
Na nossa quase silenciosa travessia, o que mais me tocou não foram os registros concretos e históricos de até onde vai a crueldade humana. O que mais me tocou foi o olhar das pessoas que por ali passavam. Olhar de respeito, seriedade, assombro, compaixão, solidariedade. Faria um museu, uma exposição apenas destes olhos, se pudesse.
Se por um lado os adultos se mobilizavam através do olhar, as crianças caminhavam leves, alegres, olhos sorrindo, sem se dar conta da dimensão de tragédia que habita aquele lugar.
Talvez tenha sido um mecanismo de defesa meu me ater ao olhar humano, ao invés do histórico registro desumano presente nos beliches amontoados, nas câmaras de gás e uniformes listrados.
Como diz uma bonita frase da constelação familiar, acho que minha mãe "carregou o piano para eu tocar". Enquanto ela ficou agarrada à energia do passado (como era de se esperar, pela sua maior proximidade às nossas raízes), eu tomei a decisão de me conectar à energia do presente. Presente transforma-dor, de um passado cinza, pesado, violento, mas que acabou.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Namorados


Ah, os namorados.
Lá vem eles abraçados, exalando perfume entre beijos,
sussuros e luas, tocando música com os olhos.
Conversa pra mais de horas, sintonia rimando alegria,
velas acesas no escuro.
Ouvi dizer que estão em falta.
Dizem as más línguas que falta beijo de verdade,
abraço amassado, telefone tocando no dia seguinte.
(...)
Tum, tum, tum.
O amor está ocupado, só pode.
Liga a tia, o chefe, o vizinho.
O namorado nem sinal.
Desculpa, foi engano.
Efemeridade de amor que dura pouco,
só até o fim da festa.
Na balada tudo pode, o prazer sacode,
proibida entrada do vínculo.
Amar virou piegas, deve ser.
Compromisso é bicho pré-histórico.
Não me canso de ouvir:
"Onde foi parar minha alma gêmea?"
"Cadê a metade da laranja,
por que só me aparece abacaxi?"
Xi.
Bota o perfume, vai olhar a lua, dá uma voltinha na rua.
Se o amor anda escasso, gruda na esperança.
Vai viver a bonança de se apaixonar pela vida,
pela grande sina, por você mesmo.
Depois por quem chegar.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Tudo se transforma


Quem diria.
O céu que amanheceu cinzento ganhou cor ao meio-dia.
Céu de brigadeiro.
A chuva que insistia em cair mudou de ideia e de rumo.
Deu lugar ao sol, solamente.
O frio foi embora, levado
por uma corrente marítima talvez.
Levado de levadeza.
Fez calor.
Fez falta, festa e sim dentro de mim.
Chapeuzinho Vermelho ficou lá longe, distante,
acenando para a mulher já quase a correr com os lobos.

sábado, 26 de maio de 2012

Detalhes tão pequenos

Domingo é dia de faxina lá em casa.
Tesourinha de unha, cotonete Johnson, mãe judia a postos no sofá esperando quem vem primeiro.
- Lé-eeeeo!...Be-llaaaa!...
A pequerrucha chega primeiro, estende as mãozinhas como se estivesse no salão de beleza e ainda pede esmalte. O pequerrucho demora, enrola, foge, reclama e acaba no sofá, inconformado.
Meu trabalho é minucioso: além de cortar as unhas tenho que tirar o excesso de massinha, argila, sujeira. Ok. Como diz um famoso slogan de sabão em pó, "se sujar faz bem."
Depois de um desses "longos" rituais, louco para correr do sofá e continuar a brincar de lego, o Léo me solta essa:
- Mãe, por que as mulheres são tão "detalizadas"?
(...)
Ah, meu filho, nem te conto.
Um dia ainda você vai acessar (se é que já não começou a fazer isso) a alma das mulheres e esse "default detalhizado" que faz de nós seres incrivelmente singulares. Detalhistas na corujice, no perfume, no pano de prato. No retrato, na rotina, no trato. Na alegria, na taça de vinho, no desabafo. No batom, no chocolate, nas rugas que desenham anos de trabalho ou minutos de intensa felicidade. Irritantemente detalhistas na TPM, no chilique, no vestido: vermelho exuberante ou pretinho indefectível? Deliciosamente detalhistas no supermercado, no café com as amigas, no penteado da filha: meio-rabo ou maria-chiquinha? Essencialmente mulheres nesse nosso jeito de amar e se apaixonar pela vida, nos mííííííínimos detalhes. "Detalizadamente".

quarta-feira, 23 de maio de 2012

"Pauseada"

Depois das emoções dos últimos acontecimentos, o blog volta à sua vidinha normal, mas não sem antes prestar homenagem ao nosso querido Carlos Drummond de Andrade, que uma vez disse: "A vida necessita de pausas."
(...)
"Pauseada" que estou, vim buscar novas emoções e - como diz o Dé, inspiração - nas indescritíveis e apaixonantes paisagens da Alemanha, Áustria, Suíça.
Tão perto das minhas raízes, vim florescer em outras terras o amor que perfuma minha vida faz tempo.
Vim descobrir castelos medievais, montanhas de neve, sinos que tocam música ao anunciar as horas.
Hora de cobrir de sentido cada segundo vivido, cada chão que se tem pela frente. Seja na labuta de cada dia, nas quebras de rotina mais mágicas ou no simples descanso na beira do lago, apreciando o movimento dos cisnes ao som de Bach, a vida foi feita para ser vivida.
Faço da poesia de Drummond minhas palavras.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Receita do Amor em Pedaços

Ingredientes:
* 102 páginas de emoção, alegria, prosa, poesia.
* Amor de mãe, de pai, de filho.
* Amor dos namorados e dos bem-casados.
* Cartas de amor, carpe diem,
aniversário de casamento, último beijo.
* Pedaços de amor por toda a parte.

Modo de fazer:
Misture tudo, leve com você onde for,
leia com os olhos e o coração.

A receita deu tão certo que acabou tudo ontem.
Mas no dia 12 tem outra fornada de Amor em Pedaços pra quem perdeu.
A partir das 10:30 h no Café Book -
Rua Padre Rolim, 616 - Santa Efigênia
Tel. 3224-5748.
Estou esperando por você com a maior alegria.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Convite

Onde se lê Convite, leia-se Muito Obrigada,
Enternecidamente Agradecida, Emoção Compartilhada.
Antes mesmo do meu livro nascer,
você já era leitor(a) importante, assíduo(a),
fonte de inspiração da minha escrita.
Como não poderia deixar de ser,
você está lá nos Agradecimentos.
E agora que o rebento nasceu,
com um cheirinho que só os livros têm e
essa tela não permite,
há de haver sua presença abrilhantando o evento,
há de haver o ar da sua graça para dar a bênção.
Espero você lá!

Um abraço carinhoso,

Renata

sábado, 28 de abril de 2012

Decisão importante

Semana passada dei com alegria uma palestra na Paróquia Nossa Senhora Rainha, no Belvedere, cujo tema era: "Relacionamento Conjugal. Fortalecendo os laços de amor através de atitudes e posturas construtivas."
Enquanto não dava a hora de começar, tomei um café na companhia de uma das atenciosas organizadoras do evento, Cristina Chiari, e fiquei vendo as pessoas chegarem aos poucos. Casais de namorados, noivos, casados; novos, de meia idade, de cabelo e sobrancelha brancos. Algumas poucas mulheres sozinhas, jovens em turma e, para minha supresa, algumas adolescentes (futuras casadoiras) cheias de brilho nos olhos.
Olhando o salão lotado - mais de duzentas pessoas, de perfis tão variados - fiquei pensando que coisa boa é ver que as pessoas ainda se mobilizam - e ao mesmo tempo se movimentam - para falar de amor. O tema está em voga, graças a Deus.
Mãos entrelaçadas, olhares atentos, braços acolhendo ombros. Foi nesse clima de juntidade, cumplicidade e abertura que a plateia me ouviu falar sobre casamento. Os sonhos, a rotina, as mudanças, os filhos, o envelhecimento conjunto.
Em determinado momento, perguntei a eles qual o segredo. O que faz alguns casais comemorarem bôdas de ouro, prata, diamante, confirmando o quanto o amor é possível? E foi logo ali, na fila do gargarejo, de um casal que já acumulou muito ouro, que escutei uma das respostas mais lindas: o segredo é a decisão de amar.
Perfeito. Não basta amar, é preciso que se tome essa decisão. E isso transcende a própria decisão de casar, subir ao altar, jogar o buquê ou partir o bolo. Significa, acima de tudo, a decisão de continuar amando, apesar de. Apesar das diferenças que são muitas, dos problemas que são grandes, dos inúmeros tropeços que surgem no caminho e que muitas vezes levam ao adoecimento do amor. A decisão de amar transcende também todas os outras respostas-clichê que já tenham sido ditas sobre o assunto: paciência, amor, perdão, tolerância (que, com certeza, também são segredos que todo mundo deveria saber e pôr em prática).
Depois da reposta do Ildeu e da Maria Lúcia, recebida com aplausos da plateia, minha missão estava praticamente cumprida.
Se os casais não saíram de lá sob chuva de arroz, com certeza saíram refletindo sobre esse arroz que completa o feijão todos os dias, temperado com amor, poesia, encantamento e aquele que talvez seja um dos ingredientes mais importantes: sabedoria.

sábado, 21 de abril de 2012

Botox

A mãe dela morreu.
Assim que ouviu a notícia, chorou compulsivamente, fez uma ligação rápida e saiu cantando pneu. Em cinco minutos estava no salão de beleza, se desmanchando diante do espelho. Quem via a cena se perguntava se o problema era por causa da tinta ou do corte.
[Corta].
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Manhã de sol, piscina da academia cheia, aula de hidroginástica. Colocou o maiô e a touca de banho amarela, estampa de florzinha. Do alto dos seus 80 anos, ainda tinha muita água pra rolar. (Rolou.)
Implicou com a "jovem" de quase 40 porque ela estava batendo a perna muito forte, espirrando água. Ia molhar seu cabelo.
********************************************
Os dois miniposts seriam ficção se não fossem verdade. Aconteceu, acredite.
O primeiro eu ouvi contar. O segundo eu vi, presenciei, vivi. Era eu a "jovem" de 40 anos, espirrando água pra todo lado. (...)Só me confirma uma coisa: a aula era de HIDRO, certo? Se não mudou nenhuma regra de semântica, hidro significa água, certo? Ah, bom, achei que eu tivesse perdido o senso de juízo. Nada contra a vaidade, a maquiagem, o perfume, os cabelos bonitos. Sempre gostei de um espelho. Mas muita gente anda se preocupando em demasia com a estética que vai na superfície, e se esquecendo da beleza que pode ir na alma. A beleza de se concentrar apenas no simples, no essencial, no que faz sentido naquele momento. Seja a DOR da mãe que acaba de morrer ou a enDORfina de jogar água pro alto, colocando alegria pra dentro.
Você pode, sim. Trocar o batom por beijo, salto alto por havaiana, escova progressiva por aprendizado progressivo. Pode empalidecer, descabelar, viver o que tiver que ser vivido. Seja de cara ou alma lavada, a verdadeira beleza está em ser inteiro. Não há colágeno, botox ou shampoo importado que faça isso por você.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O blog vai virar livro

Cresci no meio dos livros.
Filha de escritora, sempre li nos olhos dela sua paixão por ler e escrever.
Um dos nossos programas favoritos era ir à Editora Miguilim, na Savassi, comprar meus "brinquedos" prediletos. Saía de lá com uns dez títulos, cada um de uma cor e um autor diferente, todos com um cheirinho inconfundível.
Quando chegávamos em casa, ela me falava para escolher um - o resto escondia no armário, para eu saborear um de cada vez, alimentando a expectativa de qual seria o próximo. Quanto mais eu lia, mais eu queria ler. Era acabar uma história pra começar outra, garantia plena e absoluta de felicidade.
Quando a professora de português do primário pediu à turma para montar a biblioteca da sala, cada um contribuindo com um livro, levei 41 e ganhei prêmio: um livro de receitas em forma de poemas da Cecília Meireles, que eu saboreio até hoje nas minhas memórias.
De tanto ler, passei a brincar de escrever.
Cartas, cartões, declarações de amor.
Concursos de poesia, anúncios publicitários,
resenhas acadêmicas.
Pagando a língua veio o blog, incentivo cem por cento do marido, cem por cento antenado no universo digital.
Com o blog veio você, que me dá a honra e alegria de me ler a cada post.
E do blog, muito em breve, virá o livro. Quase já indo pro forno, feito com todo o carinho pra você provar.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Aceitação

Aceita um café?
Cineminha no final da tarde?
Baile de formatura?
Aceita um elogio, moça bonita?
Trabalhar numa pousada em Tiradentes?
Balinha pra adoçar a vida?
Aceita esse moço como seu legítimo esposo?
Quem sabe um cadinho de bolo?
E quando o tempo fechar, aceita um pouco de chuva?
Céu cinzento, lamento.
Ombro amigo, plantão 24 horas.
Rugas de expressão, aceita?
Incompatibilidade de gênio, sim ou não?
Briga de irmão.
Silêncio e sermão.
A vida é assim, desculpe a franqueza.
Mas também é uma beleza.
Pamonha, pamonha, pamonha.
Quem vai querer?
Pára de brigar com o que você não pode mudar.
Aceitação, diz o refrão.
Aceita-ação, meu irmão.
A-CEI-TA-ÇÃO, Conceição.
Aceita?
Sim ou não?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Verbete universal

Amor que vem do berço. Amor que vai pro berço.
Amor por você mesmo. Ninho de amor.
Amor que se faz. Amor que se desfaz.
Amor que não se compra. Amor que não se encontra.
Amor à distância. Amor que ronda.
Amor à primeira, segunda, terceira vista.
Amor de verão. Amor de estação.
Amor de infância.
Amor que não envelhece com o tempo.
Amor de mentira. Amor de verdade.
Amor que passa. Amor que fica.
Amor que escreve, colore, rabisca.
Amor genuíno. Estranho amor.
Amor doente. Amor semente.
Amor encantado. Amor re-significado.
Amor que acolhe. Amor que encolhe.
Amor perdido. Amor vazio.
Amor não correspondido. Amor sadio.
Amor de outrora. Amor que falta.
Amor sem demora.
Amor despedaçado.
Amor em pedaços.

sábado, 24 de março de 2012

Tá pra nascer

Carrego páginas dentro de mim.
Pedaços de prosa, verso, não e sim.
Escrevo com lápis, dedos, açúcar.
Junto a acidez do abacaxi e a quentura do coco
Pra essa receita dar gosto.
O resto eu não conto, é segredo.
Imprimo minha alma a cada capítulo,
Me sirvo de mil pedaços.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Presente

Não, você não está sozinho.
Não é o único a colecionar traumas de infância,
espinhas de adolescente, medos de gente grande.
Se olhar pra trás vai enxergar um tanto de coisa.
Seus fantasmas, seus tesouros,
seu baú cheio de pó e cadeado.
Mas a vida pede cadência, meu amigo.
Pede que se olhe pra frente, cabeça erguida,
um passinho por favor.
O sol já nasceu e morreu um trilhão de vezes,
a água que passou naquele rio não passa mais,
só se faz 50 anos uma vez.
O que é que você está fazendo
com esse controle-remoto na mão?
Tentando controlar o quê?
O tempo, o espaço, a chuva, a vida do vizinho,
sua vida já tão escoada?
Dentro de você a imagem está congelada
mas lá fora o amanhecer leva só algumas horas
para anoitecer.
Passou, acabou, não existe mais. Puf.
Daqui pra frente, limpa a mente.
Pega o controle e dá um play na sua música preferida.
Refresca as ideias, dança na chuva,
areja a memória, dê boas lembranças ao passado.
O presente é seu e foi feito para ser desembrulhado
com leveza e alegria.
Avante.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Herança

Basta olhar pra trás e lembrar de onde veio.
Tá no sangue, tá na veia.
Pedaços infinitos de história, encontros,
ancestralidade inteira
abrindo caminho para você chegar.
Chegou, seja bem-vindo.
Chegou e já se vai.
Parte partido de tanto amar.
Paris, Cuba, Cuiabá.
Se a busca é por ser inteiro,
não foge a juntar os pedaços.
Trabalho de poeta, jardineiro, parteira, cozinheiro.
Páginas arrancadas, palavras orquestradas,
Mudas silenciando a fertilidade da dor.
E nasce um sonho, um menino,
um velho contador de histórias.
Não morre nunca o amor que já nasce com a gente.

domingo, 4 de março de 2012

Mergulho

A resposta pra tudo?
Amar.
Do jeito que se aprendeu a rimar
até mesmo o que não tem rima.
Sina, sino, sinto em mim a força
e a brandura que chega do mar.
Vento, areia, tempestade.
Brisa, asfalto, poema ensolarado.
Lua cheia, minguante, sereia.
Serei eu o único a desejar não parar jamais de amar?
Verbo intransitivo, dissílabo, oxítono.
Acentua o amor que dá sentido à vida.
Eu amo, tu amas, ele ama.
Amar em primeira, segunda e terceira pessoa,
singular e tão plural.
Conjugação de amor em mar aberto.
Tão imperfeito e certo.
Amar como se fosse oportunidade única.
Verdade única.
Último suspiro.
Único jeito de seguir em frente, rente, sempre.
Silêncio musicado pela essência que rege a alma.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Cheguei!

Nome: Luckie Sky Walker
2.750 kg
Raça: SRD
Data de nascimento: 25/12/11
Data de adoção: 25/02/12
Local: www.sosbichos.com.br
Palavra-chave: gratidão

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Cãoprei" a ideia

Sei não. Acho que não estou bem. Devo ter batido com a cabeça no chão.
Resolvi acatar a ideia - a princípio maluca, visionária, quase fictícia - de dar pro Léo um presente que eu jamais pensei em dar: um cachorro.
Exato. Desses que latem, mordem "de brincadeirinha" (espero), fazem xixi e cocô no tapete, roem os marcos das portas e te amam incondicionalmente. (Já viu esse filme antes?)
Foi tanta insistência, tanta súplica, tanta chantagem emocional e declaração de amor que eu não resisti. Abri o coração e antes que ele feche já estou comprando, com a super ajuda da minha querida irmã veterinária, os acessórios - caminha, osso, bolinhas e o tal do tapetinho mágico que é o lugar certo para ele fazer suas necessidades. (Viva a tecnologia, a perseverança e a psicologia. Que Deus me ajude.)
Meu dilema é se compro ou adoto, mas estou mais para a segunda opção. Gesto nobre, responsabilidade social e uma gratidão pro resto da vida. Au auuuuuuuuuuuuu.
No mínimo, acho que vai ser uma experiência interessante. Estou adorando a ideia de que dar um cachorrinho pro Léo vai provocar nele um senso maior de responsabilidade. É o que tenho dito:
- Léo, Léo... Pra cuidar de um cachorro você tem que aprender a cuidar primeiro de você. E isso vale para escovar os dentes (inclusive o do bichinho, diariamente), tomar banho, guardar seu tênis no armário e não deixar as peças de lego espalhadas pelo chão. (Caso contrário, você perde o cachorro e o foguetinho de lego. E aí seu melhor amigo vai pro espaço.)
Ok, ok, me convenci. O coração amoleceu e eu já me apeguei ao bichinho antes mesmo dele chegar. Bendita afetividade e amor pelos filhos. O duro foi convencer o Dé, que não estava nem querendo cogitar a ideia, a "cãoprar" a ideia. Mas afinal de contas são 3 contra 1, e eu prometi a ele que seria um preto e branco, atleticano na raça.
O problema agora vai ser me livrar das minhocas. Isso mesmo o que você leu. Mi-nho-cas. Acho que estou com um miniveterinário precoce em casa. Cê acredita que o Léo trouxe pra casa, lá da horta da escola, uma embalagem de margarina cheia de terra com seis minhocas se enroscando lá dentro? E com um furinho pra elas respirarem, onde eu quase meti meu dedo? (...) Blarghhhhh. O danadinho chegou com a cara mais lavada do mundo, apresentando pra Pat, nossa ajudante, suas "minhocas de estimação". E queria porque queria deixá-las no quarto, ao lado do aquário. (Ia ser uma festa pro peixe.) Ela que não deixou. E ontem, uma semana depois, fui descobrir as minhocas lá na área.
Blarghhhh de novo. Sou mais o cachorro.
E se você é da mesma opinião, divida aqui comigo sua experiência. Todas as dicas do mundo são muito bem-vindas para essa dona de cachorro de primeiríssima viagem.
Au-mém.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Medo de avião

No último final de semana tivemos a alegria, o privilégio de passar bons momentos ao lado de adoráveis amigos em Escarpas do Lago. À noite, entre queijos e vinhos, risos e uma lua que foi nascendo majestosamente, sem pedir licença, começamos espontaneamente a sessão de "causos".
A anfitriã, cirurgiã pediátrica de mão-cheia, cheia de luz e uma simplicidade encantadora, compartilhou conosco seu medo de avião. (Aliás, medo comum de gente grande na contemporaneidade. Enquanto as crianças disputam para sentar na janela e ficam literalmente nas nuvens, os adultos travam a boca, suam as mãos e fecham os olhos, pegando com Deus antes mesmo da decolagem.)
Ironias do destino. Eu morreria de medo de entrar num bloco cirúrgico e abrir a barriga de uma criança. Confesso aqui toda a minha admiração pela coragem, segurança, valentia e firmeza desses grandes salva-vidas.
Pois a Dri, que graças a Deus não é perfeita e nem tinha que ser, morre de medo de avião. (Também, pudera, os noticiários não têm ajudado muito.) E para driblar o medo, a doutora adota a seguinte tática: dispara a conversar. Igual pobre na chuva. Tagarelice forçada. Quem está do seu lado escuta:
"- De onde você é? Para onde vai? Trabalha com o quê? Tem quantos filhos? Quantos irmãos? Olha, eu vou ser muito direta: toda essa conversa tem apenas um interesse: me distrair do meu pânico de estar aqui agora, ouvindo o comandante falar que acabamos de entrar numa zona de turbulência."
A Dri não é a primeira nem a última a ter medo de avião. O bacana é como que o medo da máquina leva à necessidade quase urgente de estar perto de gente. Como que trocar palavras com desconhecidos pode amenizar a angústia que vai lá no peito. Como que falar, falar, falar pode afogar a ansiedade e atenuar o nervosismo.
Sem se dar conta, essa minha amiga muito querida foi fazendo amizades na horas do aperto. Nada mais natural e oportuno. Teve pai de família que já até pegou o telefone dela e na semana seguinte apareceu com o filho de dois anos pra tirar o apêndice.
Capacidade de enfrentamento, é o que a vida nos pede. Seja para cruzar o Atlântico ou entregar o filho pro anestesista.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Valente

Um problema é sempre um problema. Agudo, crônico, universal, particular, persistente, acompanhado de uma boa caixa de analgésicos de preferência.
A lista de problemas é infindável, pra lá de problemática, passando pelos territórios do amor, saúde, dinheiro, profissão. Quando é saúde então, aí é que nos deparamos com a imensa fragilidade da vida, e de tudo o que muitas vezes não temos controle. Como diz a expressão popular, "quando se tem saúde se tem tudo. O resto a gente corre atrás."
Problemas não são novidade para ninguém. O inédito, singular, subjetivo, é a forma como as pessoas lidam com suas inúmeras dores de cabeça. Principalmente quando é coisa séria. Quando a saúde apita, acende a luz vermelha e o coração palpita, denunciando que algo não vai bem. Quando um exame de sangue mostra que o açúcar extrapolou, ou que as artérias estão entupidas, ou que as células foram todas tomadas. Complicado assim.
Tem gente que desmancha. Desmorona. Cai no chão. Cai de cama. Perde o chão. Enlouquece. Emudece. Desaparece.
Tem gente que é valente, de uma valentia que emociona e ensina a gente. Cai. Levanta. Junta os pedaços. Cresce e aparece. Transforma medo em coragem, dor em amor, susto em serenidade, doença em cura. Quando vê, está mais inteiro do que nunca.
Aprendo todos os dias com um amigo que é assim. De tão corajoso criou um blog chamado "A Saga de Valente" (www.asagadevalente.blogspot.com) - que eu recomendo de montão por aqui nas "Outras boas pausas da vida".
Pois é. A vida parou pro Paulinho quando ele soube que estava com câncer no rim esquerdo. E a vida continuou - ainda mais bonita - com a sua força, sua coragem, sua escrita, sua valentia, sua maneira otimista e bem-humorada de olhar para si mesmo.
A primeira frase que você lê no blog dele já diz tudo: "DAS AVENTURAS ONDE EU E VALENTE, MEU RIM DIREITO, ESTAMOS APRENDENDO A COLOCAR NO SEU DEVIDO LUGAR UM TUMOR QUE NOS LEVOU NOSSO RIM ESQUERDO."
E por lá a gente ri. A gente chora. A gente lê lembranças, cotidiano, coisa séria, poesia sem necessariamente versos que derrama do seu amor pela mulher, pelos filhos, pelo neto, pelos amigos, pelo sítio, pela solidariedade, pela música, pela comida. A gente acha graça e se conecta com um jeito simples e ao mesmo tempo maravilhoso de viver a vida, mesmo com todos as pedras que se colocam no caminho.
O problema não é o problema. É o olhar que se coloca sobre ele. Uns enxergam pedras. Outros, montanhas. E montanhas foram feitas para transpor, sabendo que é de lá que vem o sol.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pêsames

O sol que me desculpe,
mas não tinha o direito de se levantar cedo,
como que de costume.
Não tinha que se levantar.
Falo do escuro que se faz quando a vida se vai.
Penumbra, negritude, completa escuridão.
Nem pó de estrela, nem vela ou lanterna
pra iluminar o dia que acordou no luto. No susto.
Alguém morreu e paradoxalmente a vida segue lá fora.
Ônibus circulam, carros soltam fumaça,
pulmões choram a falta de ar.
Falta. Ausência. Salta essa parte ruim da história.
Sai fornada de pão na padaria.
Gente apressada atravessa a rua.
Gente atordoada atravessa a dor.
A vida continua nas esquinas, varandas, cirandas.
Por que tanto movimento
se está tudo parado aqui dentro?
O bebê chora, o telefone toca, o carteiro manda notícias.
A vida pára e anda no cortejo.
Pranto de chuva, despedida que não foi pedida,
tristeza absoluta em sol menor.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Românticos Anônimos"

"Românticos Anônimos" é um filme simplesmente delicioso. Fui outro dia sozinha e ontem rolou um irresistível "Vale a pena ver de novo" com o Dé, que confirmou a cada risada o sabor de um enredo cheio de graça e leveza. Sem falar do tanto de França que adentra pela alma da gente, seja pelas ruas, pelo outono, pelo sotaque e pelo chocolate (sim, ainda por cima tem uma fábrica de chocolate pra gente sair do cinema salivando - mesmo não sendo suíço).
Em plena era de "pegação", socialização, explicitação de tudo e de todos, o grupo dos "Românticos Anônimos" soa no mínimo inusitado. Mas tirando tudo o que é surreal, tragicômico, sobra o que há de real, bastante real: gente tímida, emotiva, fechada. Mulheres que não sabem dizer não, homens que suam para dizer sim, gente que se embaraça nos encontros amorosos, sem saber o que dizer, sem ideia do que fazer. Medo de ser avaliado pelo outro, medo de o outro não gostar do que vê, perfeccionismo que acaba saindo pela culatra e virando piada. (Se o assunto acabar, talvez o banheiro seja a melhor saída.)
A afetividade existe, está aí pulsando dentro de você, mas o que fazer com ela?
Qual a dosagem? Qual a medida? Qual o para-casa que o psicólogo mandou você fazer?
"Românticos Anônimos" é um filme para rir, gargalhar e acima de tudo pensar: o que é que você está fazendo da sua vida? Como está vivendo (ou deixando de viver) o amor? Onde é que foi parar a chave da sua prisão? Você está fugindo de quê? De quem? Que segredos esconde tão bem guardados?
Coragem, meu(minha) caro(a). Que o mundo não anda muito romântico não há dúvida. Mas isso não tira a força que tem um sentimento, uma emoção ou afeto. Capacidade de amar, cada um nasce com a sua. A questão é se você se coloca como autor(a) ou anônimo(a) da sua própria história.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Coisas da idade

Entro no elevador junto de uma simpática senhora de cabelos brancos, se queixando (sem lamúrias ou lamentações, mas com um largo sorriso no rosto) das suas "cadeiras".
Reforço:
- Ah, hoje em dia tá todo mundo "descadeirado"!...
(Risos.)
- Ah, não, minha filha, você ainda está muito nova... Já eu, do alto dos meus 84 anos...
- 84?! Não parece!...
- É o que todo mundo diz, mas já colhi 84 primaveras...
Pergunto, brincando:
- Ah, não, me conta: qual o creminho que a senhora usa à noite?
- Creminho? O creminho é a saudade e o amor, minha filha. Tô doida pra "ir embora" pra me encontrar com ele, que partiu já faz 16 anos... A gente vivia tão bem, mas tão bem...

Oitavo andar. Abre a porta do elevador, me despeço da alegre senhora.
Abro a porta do consultório, pensando na dor - dores tantas, escuto todo dia - que faz um amor partido.
Coisas da vida. Da idade. Conversas de elevador, dor de saudade.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Força

Há de haver força quando desmorona tudo.
Quando falta o ar, a luz, o amanhecer.
Quando uma vida inteira de sonhos
é interditada e vai ao chão.
Há de haver força quando o começo vira fim,
o tudo vira nada, a luta vira luto.
Há de chorar, sofrer, doer,
virar pelo avesso de tanta dor.
Há de abrir os olhos, enxergar o estrago,
pisar descalço nos destroços, ferir a alma.
Há de ter pesadelo acordado, dor de realidade,
medo de cada gota de verdade.
Há de ouvir os gritos da vida.
Escutar que ela nos chama, embora fraca a chama.
Arregaçar as mangas, transformar medo em coragem.
O convite, embora árido e difícil de aceitar,
é para continuar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Pequenos dramas familiares

Tenho uma cunhada que é especialíssima em tudo o que faz. Especialíssima no sentido de especial e também especialista em várias coisas, se é que a língua portuguesa me permite fazer a casadinha.
Margaret (carinhosamente chamada de Lelete, Lelesse) é a primeira filha de cinco o que significa que, além de irmã mais velha, é também a mãezona de todos. Sempre derramando afeto, sempre preocupada com que tudo saia bem, sempre esmerada em fazer com que cada programa de férias seja o melhor, faça chuva ou faça sol.
Você precisa ver a salada que ela faz. O bobó de camarão que ela faz. A peixada que ela faz. O pudim de leite condensado que ela faz. O drama que ela faz quando você troca um prato dela pelo restaurante. (Você precisa ver a braveza da Lelete.)
Quando não está de férias, seu esmero é com o trabalho. Fisioterapeuta de mão cheia, é especialista em cuidar das dores, nódulos, desvios de gente que costuma carregar o mundo nas costas.
Acostumada que está a cuidar, tornou-se desde sempre a cuidadora-mor da família. A que dá notícias, providencia médicos, pensa e antecipa soluções. E quando junta tudo isso com afeto, amor e preocupação, o resultado é, muitas vezes, um certo exagero já conhecido pelo restante da família. Com uma boa dose de humor e leveza, os irmãos brincam acerca do drama que muitas vezes vem daí.
Outro dia ela ligou lá pra casa na maior preocupação e falou com o meu marido:
- Mamãe não está bem. Passou mal a noite toda. Tossindo, corpo ruim, febre. Acho que é pneumonia. Médico, exame de sangue, raio-x, ressonância magnética, hospital. Acho que vai precisar ser internada.
Quando ele desliga, pergunto o que houve.
A resposta cabe numa frase:
- Mamãe vai gripar.
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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Emoções não tiram férias

Cenário: uma sanduicheria no litoral capixaba no primeiro dia do ano.
Personagens: pai, mãe e uma filha de aproximadamente cinco anos.
Drama: filha chorando, mãe quase chorando, pai calado.
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Em uma mesa um pouco atrás, entre ketchups, batatas palha e risos de família, fui tendo a minha atenção desviada para aquela cena. Do jeito que a criança chorava e do jeito que a mãe ia ficando comovida, ao mesmo tempo em que tentava conversar com ela e enxugar suas lágrimas, fiquei pensando no que poderia ter acontecido. "Deve ter morrido um avô", pensei. Só mesmo uma dor desse tamanho para fazer mãe e filha chorarem no primeiro dia do ano, em plenas férias, numa sanduicheria na beira da praia.
Engano meu. Parei o sanduíche no meio da mordida quando vi, com a ajuda do meu sobrinho Matheus, o que na verdade estava acontecendo. A mãe estava brigando com o pai na frente da filha, carregando com raiva e tristeza cada palavra:
"- Não, eu não disse pra ela que você não presta. Mas como é que eu vou confiar em você? Como é que eu vou confiar em você, me fala?"
Como um CD arranhado, a mulher repetia essa frase a cada cinco minutos, buscando na filha um escudo, um álibi, uma salvação.
A vontade que eu tive foi colocar a menina no colo e trocar o sanduíche por um sorvete. Três bolas, de preferência, que é pra distrair bastante e esfriar aquela cabecinha tão pequena e já cheia de problemas que ela não pediu pra viver.
Criança não deve se meter em assunto de adulto, tá certo. E assunto de adulto se resolve (ou pelo menos deveria se resolver) assim: no privado, entre quatro paredes, limitado à compreensão (ou incompreensão, dependendo do caso) de quem já é bem crescidinho.
Fico imaginando como é que desceu aquele sanduíche, depois de tanta mágoa entalada.
Fico pensando nos registros emocionais dessa menina ao testemunhar e participar de um momento tão pouco nutritivo e saudável.
Volto ao meu cheeseburger, ao meu "problema" de não deixar escapar o milho com o alface e as batata palha.
Lembro, enfim, que estou de férias.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O velho Ano Novo de sempre

Para alguns, o Ano Novo é apenas mais uma sequência de 365 dias; agenda em branco, rugas a mais, calendário atualizado para organizar o tempo.
Para muitos, é uma coletânea de verbos para escrever na agenda: acreditar, querer, viver, mudar. E aí dá-lhe fogos de artifício, abraços emocionados à meia-noite, taças brindando, flores pra Iemanjá.
Quem não tem mar que arranje uma lagoa, uma piscina, um tanque. Até a chuva vale para encharcar você de boas energias.
Tudo o que é novo traz um certo mistério, uma certo quarto escuro. Basta você se lembrar do que já viveu de novo na sua vida: um emprego novo, um namorado novo, um apartamento novo, um país novo. Às vezes até um sapato novo pode ter um significado especial, dependendo pra onde ele te leva.
Fato é que 2012 chega trazendo um mistério simples de ser desvendado. Se nenhum fato extraordinário acontecer, se nenhum evento de força maior mudar o rumo da história, tudo pode acontecer tal como você esperou, chorou, pediu na virada do ano.
Para alguns, só de virar a página já se vive um Feliz Ano Novo. Alegria de deixar para trás páginas mal escritas, rabiscadas, rasgadas. Uma doença. Um desaponto. Uma tristeza. Uma perda. Um profundo desencontro.
Para outros, o que fica é a gratidão pelo ano que se foi. Junto dele crescimento, realização, reencontros. Um filho que nasceu. Um amor que floresceu. Amizades cada vez mais vivas. Família completa. Trabalho cheio de frutos para colher.
De uma forma ou de outra, soltam fogos para iluminar o que ainda está escuro. Dependendo de como se vive, até o verbo continuar pode ter emoção na sua escrita.
Feliz 2012!