quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Românticos Anônimos"

"Românticos Anônimos" é um filme simplesmente delicioso. Fui outro dia sozinha e ontem rolou um irresistível "Vale a pena ver de novo" com o Dé, que confirmou a cada risada o sabor de um enredo cheio de graça e leveza. Sem falar do tanto de França que adentra pela alma da gente, seja pelas ruas, pelo outono, pelo sotaque e pelo chocolate (sim, ainda por cima tem uma fábrica de chocolate pra gente sair do cinema salivando - mesmo não sendo suíço).
Em plena era de "pegação", socialização, explicitação de tudo e de todos, o grupo dos "Românticos Anônimos" soa no mínimo inusitado. Mas tirando tudo o que é surreal, tragicômico, sobra o que há de real, bastante real: gente tímida, emotiva, fechada. Mulheres que não sabem dizer não, homens que suam para dizer sim, gente que se embaraça nos encontros amorosos, sem saber o que dizer, sem ideia do que fazer. Medo de ser avaliado pelo outro, medo de o outro não gostar do que vê, perfeccionismo que acaba saindo pela culatra e virando piada. (Se o assunto acabar, talvez o banheiro seja a melhor saída.)
A afetividade existe, está aí pulsando dentro de você, mas o que fazer com ela?
Qual a dosagem? Qual a medida? Qual o para-casa que o psicólogo mandou você fazer?
"Românticos Anônimos" é um filme para rir, gargalhar e acima de tudo pensar: o que é que você está fazendo da sua vida? Como está vivendo (ou deixando de viver) o amor? Onde é que foi parar a chave da sua prisão? Você está fugindo de quê? De quem? Que segredos esconde tão bem guardados?
Coragem, meu(minha) caro(a). Que o mundo não anda muito romântico não há dúvida. Mas isso não tira a força que tem um sentimento, uma emoção ou afeto. Capacidade de amar, cada um nasce com a sua. A questão é se você se coloca como autor(a) ou anônimo(a) da sua própria história.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Coisas da idade

Entro no elevador junto de uma simpática senhora de cabelos brancos, se queixando (sem lamúrias ou lamentações, mas com um largo sorriso no rosto) das suas "cadeiras".
Reforço:
- Ah, hoje em dia tá todo mundo "descadeirado"!...
(Risos.)
- Ah, não, minha filha, você ainda está muito nova... Já eu, do alto dos meus 84 anos...
- 84?! Não parece!...
- É o que todo mundo diz, mas já colhi 84 primaveras...
Pergunto, brincando:
- Ah, não, me conta: qual o creminho que a senhora usa à noite?
- Creminho? O creminho é a saudade e o amor, minha filha. Tô doida pra "ir embora" pra me encontrar com ele, que partiu já faz 16 anos... A gente vivia tão bem, mas tão bem...

Oitavo andar. Abre a porta do elevador, me despeço da alegre senhora.
Abro a porta do consultório, pensando na dor - dores tantas, escuto todo dia - que faz um amor partido.
Coisas da vida. Da idade. Conversas de elevador, dor de saudade.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Força

Há de haver força quando desmorona tudo.
Quando falta o ar, a luz, o amanhecer.
Quando uma vida inteira de sonhos
é interditada e vai ao chão.
Há de haver força quando o começo vira fim,
o tudo vira nada, a luta vira luto.
Há de chorar, sofrer, doer,
virar pelo avesso de tanta dor.
Há de abrir os olhos, enxergar o estrago,
pisar descalço nos destroços, ferir a alma.
Há de ter pesadelo acordado, dor de realidade,
medo de cada gota de verdade.
Há de ouvir os gritos da vida.
Escutar que ela nos chama, embora fraca a chama.
Arregaçar as mangas, transformar medo em coragem.
O convite, embora árido e difícil de aceitar,
é para continuar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Pequenos dramas familiares

Tenho uma cunhada que é especialíssima em tudo o que faz. Especialíssima no sentido de especial e também especialista em várias coisas, se é que a língua portuguesa me permite fazer a casadinha.
Margaret (carinhosamente chamada de Lelete, Lelesse) é a primeira filha de cinco o que significa que, além de irmã mais velha, é também a mãezona de todos. Sempre derramando afeto, sempre preocupada com que tudo saia bem, sempre esmerada em fazer com que cada programa de férias seja o melhor, faça chuva ou faça sol.
Você precisa ver a salada que ela faz. O bobó de camarão que ela faz. A peixada que ela faz. O pudim de leite condensado que ela faz. O drama que ela faz quando você troca um prato dela pelo restaurante. (Você precisa ver a braveza da Lelete.)
Quando não está de férias, seu esmero é com o trabalho. Fisioterapeuta de mão cheia, é especialista em cuidar das dores, nódulos, desvios de gente que costuma carregar o mundo nas costas.
Acostumada que está a cuidar, tornou-se desde sempre a cuidadora-mor da família. A que dá notícias, providencia médicos, pensa e antecipa soluções. E quando junta tudo isso com afeto, amor e preocupação, o resultado é, muitas vezes, um certo exagero já conhecido pelo restante da família. Com uma boa dose de humor e leveza, os irmãos brincam acerca do drama que muitas vezes vem daí.
Outro dia ela ligou lá pra casa na maior preocupação e falou com o meu marido:
- Mamãe não está bem. Passou mal a noite toda. Tossindo, corpo ruim, febre. Acho que é pneumonia. Médico, exame de sangue, raio-x, ressonância magnética, hospital. Acho que vai precisar ser internada.
Quando ele desliga, pergunto o que houve.
A resposta cabe numa frase:
- Mamãe vai gripar.
................................

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Emoções não tiram férias

Cenário: uma sanduicheria no litoral capixaba no primeiro dia do ano.
Personagens: pai, mãe e uma filha de aproximadamente cinco anos.
Drama: filha chorando, mãe quase chorando, pai calado.
***************************************************
Em uma mesa um pouco atrás, entre ketchups, batatas palha e risos de família, fui tendo a minha atenção desviada para aquela cena. Do jeito que a criança chorava e do jeito que a mãe ia ficando comovida, ao mesmo tempo em que tentava conversar com ela e enxugar suas lágrimas, fiquei pensando no que poderia ter acontecido. "Deve ter morrido um avô", pensei. Só mesmo uma dor desse tamanho para fazer mãe e filha chorarem no primeiro dia do ano, em plenas férias, numa sanduicheria na beira da praia.
Engano meu. Parei o sanduíche no meio da mordida quando vi, com a ajuda do meu sobrinho Matheus, o que na verdade estava acontecendo. A mãe estava brigando com o pai na frente da filha, carregando com raiva e tristeza cada palavra:
"- Não, eu não disse pra ela que você não presta. Mas como é que eu vou confiar em você? Como é que eu vou confiar em você, me fala?"
Como um CD arranhado, a mulher repetia essa frase a cada cinco minutos, buscando na filha um escudo, um álibi, uma salvação.
A vontade que eu tive foi colocar a menina no colo e trocar o sanduíche por um sorvete. Três bolas, de preferência, que é pra distrair bastante e esfriar aquela cabecinha tão pequena e já cheia de problemas que ela não pediu pra viver.
Criança não deve se meter em assunto de adulto, tá certo. E assunto de adulto se resolve (ou pelo menos deveria se resolver) assim: no privado, entre quatro paredes, limitado à compreensão (ou incompreensão, dependendo do caso) de quem já é bem crescidinho.
Fico imaginando como é que desceu aquele sanduíche, depois de tanta mágoa entalada.
Fico pensando nos registros emocionais dessa menina ao testemunhar e participar de um momento tão pouco nutritivo e saudável.
Volto ao meu cheeseburger, ao meu "problema" de não deixar escapar o milho com o alface e as batata palha.
Lembro, enfim, que estou de férias.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O velho Ano Novo de sempre

Para alguns, o Ano Novo é apenas mais uma sequência de 365 dias; agenda em branco, rugas a mais, calendário atualizado para organizar o tempo.
Para muitos, é uma coletânea de verbos para escrever na agenda: acreditar, querer, viver, mudar. E aí dá-lhe fogos de artifício, abraços emocionados à meia-noite, taças brindando, flores pra Iemanjá.
Quem não tem mar que arranje uma lagoa, uma piscina, um tanque. Até a chuva vale para encharcar você de boas energias.
Tudo o que é novo traz um certo mistério, uma certo quarto escuro. Basta você se lembrar do que já viveu de novo na sua vida: um emprego novo, um namorado novo, um apartamento novo, um país novo. Às vezes até um sapato novo pode ter um significado especial, dependendo pra onde ele te leva.
Fato é que 2012 chega trazendo um mistério simples de ser desvendado. Se nenhum fato extraordinário acontecer, se nenhum evento de força maior mudar o rumo da história, tudo pode acontecer tal como você esperou, chorou, pediu na virada do ano.
Para alguns, só de virar a página já se vive um Feliz Ano Novo. Alegria de deixar para trás páginas mal escritas, rabiscadas, rasgadas. Uma doença. Um desaponto. Uma tristeza. Uma perda. Um profundo desencontro.
Para outros, o que fica é a gratidão pelo ano que se foi. Junto dele crescimento, realização, reencontros. Um filho que nasceu. Um amor que floresceu. Amizades cada vez mais vivas. Família completa. Trabalho cheio de frutos para colher.
De uma forma ou de outra, soltam fogos para iluminar o que ainda está escuro. Dependendo de como se vive, até o verbo continuar pode ter emoção na sua escrita.
Feliz 2012!