terça-feira, 10 de junho de 2014

O blog está de casa nova: www.renatafeldman.com.br



Bem-vinda, bem-linda a sua presença por lá.
Borboleteie por cada novidade e volte sempre.
Sua visita é esperada com emoção e alegria.
www.renatafeldman.com.br

terça-feira, 20 de maio de 2014

Último suspiro


Impressionante o tanto de voltas que o mundo dá. Voltas e mais voltas, se quer saber.
Coisas que você imagina já bem definidas, resolvidas, vem à tona muitas vezes de um jeito inexplicável. Inacreditável. Seja no amor. No trabalho. Nas relações mais espinhentas e delicadas. Nas amizades ditas infalíveis. No famoso "e foram felizes para sempre". No mais taxativo dos nãos. No mais convidativo dos sins. Nada é fixo, imutável, a vida segue e quase tudo se transforma.
Muito tempo se passou desde o fatídico e doloroso "The End" do post anterior. Eu nem ia voltar mais neste assunto, c'est fini, já havia dado por perdida a história daqueles dois, mas aí veio o destino para dizer quem é que está no comando. Ah, as voltas que o mundo dá.
Marina seguiu sua vida, como tinha que ser. Bonita e inteligente como era, não demorou a despertar olhares, sorrisos, afetos. Arrumou um namorado também bonito, bom partido, dez anos mais velho.
Diego voltou de Paris com a bagagem cheia de conhecimento, experiência, talento. Alçou vôos lindos na carreira e se tornou um doutor consultor. Nada de namorada, apenas rolos, ficantes, encontros casuais, nada além disso.
Nunca mais se falaram, Diego e Marina. As famílias de cada um quase morriam de tristeza (as mães nem se fala) de ver aqueles dois separados, tamanha era a torcida e o envolvimento desde cedo, desde sempre.
E foi aí que um folheto de propaganda distribuído no sinal mudou tudo. Luz amarela - pense, luz vermelha - pare, luz verde - siga. Simples assim, e foi numa dessas paradas que enfiaram pela janela do carro do Diego um anúncio cheinho de alianças de noivado. Uma mais bonita que a outra. Seria um sinal?
Numa fração de segundos, ele pensou em Marina. No que foi. No que poderia ter sido. No que já não mais era.
E foi bem naquela hora do rush, voltando pra casa depois de um dia cheio de trabalho, que Diego mudou a rota e a história. Em menos de vinte minutos estava dentro da joalheria, comprando o par de alianças mais valioso da sua vida.
Atrevido aquele menino. Já em casa, namorando a caixinha preta de veludo, pegou o telefone e ligou para Marina. Disse, sem muito rodeio, que precisava conversar com ela. Marcaram para daqui a três dias (haja ansiedade), num restaurante perto de um shopping bem familiar.
Mais uma vez não houve rodeio. Nem mesmo aquela função fática que um dia você aprendeu na aula de português, tipo: "Como tem chovido, hein?..." Direto ao ponto, sem rodeio nem subterfúgios, atrevido esse menino. Quase matando Marina de susto, tirou a caixinha do bolso e fez "na lata" o pedido convencional, esperado por tantas mulheres, já não esperado por Marina:
- Quer se casar comigo?
Coitada da moça. Empalideceu de susto, emudeceu, chegou em casa aos prantos, deixando a mãe atônita e o ex-namorado com a expectativa de uma resposta, um dia.
Nada desse dia chegar. Nem que sim nem que não, a posição de Marina era um mistério. A família de Diego não falava noutro assunto, a polêmica se instaurava nos almoços de domingo, até bolão chegaram a fazer.
- Ih, Diego, desiste, ela não quer mais nada com você.
- Ih, conheço as mulheres: hora da vingança. Esquece, Diego.
- Calma, gente, é claro que ela vai aceitar, deixa de ser pessimista!
- É. Se ela não falou na chincha que não, é porque você mexeu com ela. Prepara o casório que lá vem notícia boa!
E assim, de especulação em especulação, de sim em não, o tempo foi passando. Até que um dia, uma mensagem no whatsup:
- Diego, não entenda meu silêncio como um não, apenas preciso pensar mais, esfriar a cabeça e acalmar o coração...
Compreensivo e sereno, certo de que aquela mulher nasceu pra ser sua, Diego esperou. Esperou. Esperou. Esperou.
Até que um dia foi tomar um chope com um tio querido e ganhou de quebra o empurrãozão que faltava:
- Vai ficar esperando até quando, velho? Vai lá agora, chega junto, leva ela pra jantar e volta só amanhã depois que o sol raiar. Bora.
- Mas tio, são quase dez horas da noite, estou sem carro e ela já deve estar de pijama.
- Toma a chave do carro, liga pra ela e fala que você está na porta.
Simples assim. Louco, ousado, atrevido, apaixonado, convicto assim.
Quer saber? Foi a noite mais linda da vida daqueles dois. Graças a Deus, ao destino, ao amor, ao cosmos, ao tio parceiro, o idílio voltou com luz, certeza, poesia e encanto.
A última notícia que tive é que compraram um apartamento e vão se casar. Bem-casados, bem-felizes, bem-sintonizados com a força que as coisas têm quando têm que acontecer.
E é assim, com essa emoção toda, que o fim vira começo. Que o último suspiro vira apenas o primeiro de muitos outros. Longos "ai ais" de vida, de amor que ressuscita como milagre, fazendo renascer tudo outra vez.
Ah, as voltas lindas que o mundo dá.

terça-feira, 6 de maio de 2014

The end


Bem-vindo a Paris. Cidade das luzes, suspiros, sonhos, encantos. Cidade divisor de águas na vida de Diego e Marina, encantados que também eram um pelo outro.
Ele de lá, ela de cá, mais uma viagem pra contar a história.
Mas o que seria "mais uma" viagem se tornou "a" viagem. Um quê de agitação, desencontro e distanciamento ia compondo a paisagem, sutil e delicadamente.
Marina de cá percebia, movida talvez por seu sexto sentido, esse acessório que as mulheres usam tão bem.
Diego de lá se movia, se surpreendia, enaltecia com paixão cada minuto de sua nova cidadania. Montmartre, Saint Germain, Marais, Champs Elysées, Quartier Latin, Saint Michel. Pés pra bater, cabeça pra pensar, coração pra sacolejar, rachar, partir.
Às vezes Diego prometia ligar e não ligava. Às vezes um e-mail enviado por Marina ficava dias adormecido
na caixa de entrada, sem virar resposta.
"Ele não deve ter tido tempo", justificava Marina para si mesma.
Estudando e estagiando, as prioridades eram outras. Foram levando assim durante cinco meses - mais um e ele voltaria para o Brasil. Não voltou. O estágio ia de vento em popa e ele foi convidado - danado que era - a prolongar a viagem por mais seis meses.
Foi a deixa (ou gota d'água) para Marina separar suas economias, arrumar as malas e ir se encontrar com o namorado na cidade-luz. Não foi.
De um jeito ou de outro, nos seus sumiços e entrelinhas, Diego disse a Marina que era melhor ela não ir.
Na cabeça de Diego: se ela fosse, acabariam vivendo um casamento que ainda não existia. Ela era a mulher da sua vida, mas aquele era um outro momento, focado no estudo e carreira; ali ele se sentia independente, autônomo, responsável, capaz de vencer desafios e abraçar o mundo, respirando o auge da sua juventude.
Na cabeça de Marina: Como assim? Afinal, nosso namoro não era forte o suficiente para aguentar o tranco? Não era amor de verdade o que sentíamos um pelo outro?
Não se tratava de amor, Marina. Mas de contexto, mudanças, logística, liberdade, hormônios, Paris e seus encantos.
Por um fio a relação estava, por um fio ficou.
O que começou como uma linda história de amor acabou pelo telefone. Em poucas palavras, ruindo por dentro, Marina teve que oficializar o que Diego não deu conta de fazer.
Acabou, c'est fini, c'est la vie, fim.
Quem nunca viveu uma história parecida que atire a primeira flor.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Idílio Parte III


Ah, Bordeaux. Lagos, flores, castelos, vinhedos, pôr do sol rosado. Só faltava uma coisa para essa linda cidade ficar completa: Diego. Algo estava definitivamente fora do lugar: Marina na França, o namorado no Brasil, um oceano inteiro de saudade entre os dois. Ah, como doía. Os emails eram enooooooooooormes, e o Skype ficava conectado uma eternidade.
As notícias que chegavam dos amigos e da irmã de Diego eram uma só: "Ele está curtido a maior fossa. Triste, sozinho, faltando um pedaço."
Au revoir, Bordeaux. Voltar seis meses depois foi um grande alívio, uma emoção sem tamanho. Depois de beijos, abraços, apertos e declarações de amor, um jurou ao outro que nunca mais iria ficar longe tanto tempo. Poderiam até estudar e trabalhar na China, Etiópia ou Japão, mas iriam juntos.
E aí vem o destino, mais uma vez, bagunçar tudo. Um mês depois que Marina havia chegado, ainda em clima de matar saudade, Diego é chamado para preencher uma vaga de intercâmbio - bonjour! - também na França, daí a cinco meses. Ele havia se candidatado no ano anterior, não conseguiu a vaga, a pessoa que ia desistiu, ele foi acionado. Oui. Ironias do destino, nada é por acaso, qual mais explicação você daria?
A namorada custou a acreditar que aquilo estava acontecendo, como podia acontecer? Logo depois que juraram um para o outro não ficarem longe nunca mais?
Mudança de planos, c'est la vie. Diego ficou desorientado de alegria, ia abraçar a oportunidade tão sonhada, Marina não se sentia no direito de ficar triste. Afinal de contas, um ano antes era ela que havia passado pela mesmíssima situação e ele não arredou pé do seu lado: apoio permeado de compreensão, torcida e afeto.
Reunindo forças, chorando por dentro, Marina entrou na sintonia de felicidade e euforia de Diego até a viagem acontecer.
Antes dele partir fizeram uma linda viagem para o Rio, idílio de despedida, a cidade maravilhosa ficou pequena para caber tanto amor.
Fato é que Diego arrumou as malas e se foi. Como não ir, afinal? Tão novo, tão capaz, tão em busca de formação, profissão, brilho nos olhos? Foi carregando Marina com ele, na cabeça, na alma e no coração.

* Belo Horizonte e Paris, tão longe. No próximo post.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Idílio Parte II


Viraram muitas páginas juntos, aqueles dois. Futuro do pretérito, fotossíntese, reações químicas, osmose, geometria.
Com o tempo se transformaram, se enamoraram, foram metamorfoseando amizade em amor, quase sem perceber.
A afinidade das salas de aula se estendia naturalmente para outros locus: nas festas juninas do clube, quando se adivinhavam no correio elegante; nas sessões de cinema, quando suas mãos se encontravam no saco de pipoca; no aconchego da sala de casa, quando eram acolhidos com alegria e pão de queijo pela família de cada um, despretensiosamente.
E foi assim, sem se darem conta, sem nomear ou protocolar o sentimento, que Diego foi entrando no mundo de Marina como se ele já fosse seu há muito tempo. E vice-versa.
Aos 14 anos, um primeiro beijo roubado na porta de casa trouxe muitos outros beijos presenteados, gratuitos, inventados. Corriqueiros, festeiros, juninos, sem data ou hora marcada. Sempre que a oportunidade fazia o convite, eles aceitavam de bom grado.
Aos 18 anos, a conquista da carteira de motorista e o carro emprestado do pai possibilitaram a Diego ampliar os convites. Aos 19, a vitória do vestibular trouxe mais motivos de comemoração, e eles sempre eram vistos saindo juntos e frequentando mais vezes a casa de cada um. Mais fornadas de pão de queijo e alegria, pipoca no escurinho do cinema, todos os motivos do mundo para carpediar a vida. Entre um encontro e outro, Diego e Marina se faziam presentes através do celular, com trocas de mensagens inspiradas em letras de música romântica.
Não eram namorados ainda. Ou melhor, não eram nomeados assim, nascidos que foram em uma era marcada pelo verbo ficar, desprendido de compromisso e vínculo. Mas foram ficando cada vez mais grudados, envolvidos, sintonizados, e numa chuvosa noite de março viraram namorado e namorada, oficialmente falando.
Com um ano e meio de namoro ele foi para o Canadá, em um intercâmbio de três meses. Marina, que já havia passado pela mesma experiência três anos antes, respeitou o momento dele e sugeriu que dessem um tempo. Ele aceitou.
Mas que tempo é esse que corre pelas vias do amor? Foi o tempo que passou devagar, doído de saudade, e que acabou mantendo os dois em contato, até presentes de Natal trocaram a distância.
Quando ele voltou, a sintonia tinha crescido e a convicção era uma só: não havia a menor dúvida de que eles queriam ficar juntos.
Seis meses depois, outro intercâmbio, dessa vez para Marina. Destino: Bordeaux, na França. Coração: doído, moído, como ficar longe dele por tanto tempo, sem nem direito a visita pra matar a saudade? Cabeça: madura, bem-resolvida, a dos dois. Como já haviam passado pela experiência do Canadá antes, se sentiam minimamente maduros para continuar o namoro, só que agora a distância.

Aguarde cenas do próximo post.

sábado, 26 de abril de 2014

Idílio Parte I


Começaram cedo aqueles dois. Compartilhando histórias, cadernos, lápis, risadas, apontador. Descobrindo mapas, espaços, sístoles, diástoles, revoluções. Resolvendo problemas de matemática e recitando poemas de Vinícius de Moraes,
essas coisas tão distintas que a vida se encarrega de juntar.
Diego na fileira do canto, Marina na carteira ao lado.
- Presente!
- Presente!
Na energia inconfundível dos seus onze anos, também presentes se faziam no recreio, na quadra, na cantina, no pique-esconde, nas festinhas de aniversário.
Abram o dicionário e lá está ela, impecável:
"afinidade: s.f. conformidade, aproximação, relação, simpatia: afinidade de gostos, de caracteres; afinidade entre a música e a poesia."
Simples de explicar essa amizade que nasceu espontânea, faceira, inteira. (Quem é que não tem um grande amigo pra lembrar?)
Música e poesia, ainda não inventaram conceito melhor de completude.
Diego e Marina, ainda não inventaram idílio tão bonito. E verídico, diga-se de passagem, mas com os nomes trocados, me autorizaram contar por aqui.
Aguarde o próximo post.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Encontro


Se você se encontrasse com Deus, o que ia dizer?
Palavras, interrogações, vírgulas, linhas,
reticências, entrelinhas, qual seria a pauta?
Qual o tamanho da emoção, do abraço,
da lista que nunca falta?
Quanto de choro teria para chorar?
Quanto de alegria para agradecer?
Quanto de você para renascer?
Um tanto enorme de coisas sem explicação
para entender,
várias perguntas sem respostas.
Nem mesmo as mais completas teorias,
filosofias, ias e mais ias.
Quantas mais Marias, cheias de graça e vida,
você clonaria se pudesse?
Cruz pesada para carregar.
Coluna envergada de tanto doer.
Tem gente que anda torto de sofrer, meu Deus.
Tanta ferida aberta pra curar.
Tanto verbo amar pra conjugar.
Mas nesse encontro, luz. Alento.
Filiação. Silêncio.
Serenidade. Esperança.
Paternidade. Calmante.
Quando tudo parecer mudo, inerte, escuro,
ainda há velas para acender.

domingo, 13 de abril de 2014

5 Anos


Há cinco anos a gente se encontra, conversa,
conecta, troca um dedo de prosa e poesia.
Respira fundo e chora, ri, pensa, sente,
sonha, realiza, eterniza o que há para ser guardado.
Há cinco anos a gente faz das palavras terapia,
da terapia alegria, da alegria razão de viver.

Obrigada por fazer parte
da minha inspiração e da minha escrita.

Com você, o blog faz festa, poema,
convite, pausa, movimento,
faz todo o sentido.


Um abraço carinhoso,

Renata

P.S.: Em breve, novidades para você. Aguarde.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Reza


Dormir, acordar, correr, sonhar,
encharcar a camisa, bater ponto na vida.
Bom dia, boa noite, o que você faz do sol à lua?
Tem gente que brilha.
Tem gente que apaga.
Tem gente que sente.
Tem gente que alaga.
Larga tudo. Para o tempo.
Deita os olhos na janela só por um instante.
Tanto de céu aquarelando a alma.
Tanto de nuvem virando barco de papel.
Tanto de montanha desaguando no mar.
Tanto de ar pra respirar.
Tanto de sonho pra viver.
Tanto de esperança pra sentir.
Tanto de amor pra nascer.
Tanto de Deus dentro de você.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Provas de vida


Nado livre às seis da manhã.
Travesseiro despertando às dez.
Banho quente.
Beijo ardente.
Gargalhada.
Tenra idade.
Abraço de graça.
Feijão novinho.
Papel e caneta.
Choro de emoção.
Livro de cabeceira.
Viagem sem eira nem beira.
Copo d´água gelada.
Cachorro no pé da cama.
Ombro pra recostar.
Taça de vinho fazendo tintim.
Pedido de casamento terminando em sim.
Cheiro de café.
Pergunta de criança.
Pé descalço.
Porta-retrato.
Paparico.
Uma noite acesa de amor.
Dias inteiros pela frente.
Música pra ouvir.
Sol pra iluminar.
Chão pra caminhar.

O que mais faz você se sentir vivo?
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sexta-feira, 21 de março de 2014

Fim


E aí alguém que você amava muito já não está mais aqui. De carne e osso. De vento em popa. De braços abertos para um abraço, um café, um sorriso largo. E aí você gruda na falta, feito Super Bonder. Que de super não tem nada. Cola dor, lágrima, cola o pé no asfalto quente, cheio de cacos de vidro. 50 graus e está frio, gelado, ferido, dureza de vida sem ele ou sem ela, pedaço imenso de você que também se foi, emoção que não se nomeia.
E aí você acha que não vai dar conta. Volta no passado e se lembra de tudo o que poderia ter feito e não fez. De tudo o que poderia ter dito e não disse. De tudo o que poderia ter sido e não foi. Oi. Tchau. Te amo. Adoro sua companhia. Durmo pensando em você. Meu porto seguro. Meu colo. Meu pai. Minha mãe. Meu tudo.
E aí você pega o chicote e bate. Forte. Dói. Mói. Mais feridas, só que agora no corpo inteiro. No coração morrendo de sede. Na alma em estado de sítio, greve de fome.
E aí alguém te diz para largar o chicote e trocar por flor; que na verdade, o grande requisito para a culpa é o amor. Que se você soubesse, se você pudesse, se tivesse constantemente os olhos pra dentro, ia fazer diferente. Mas não é Deus, esqueceu? Fez o que deu conta de fazer, querido(a) ser humano de carne e osso.
Quando você volta o olhar para o amor, você deixa a dor. E a culpa vai ficando pequena, serena, feito grão de arroz.
O que não foi não foi. Mas a essência do que é para sempre será. Não importa quanto tempo passe e com que força a saudade bata na porta, arrombando a alma, ainda há o amor, esse gentil escritor, para continuar a história.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Namoro de longa data


Pegou o primeiro voo, cruzou o oceano, aterrissou cidadã do mundo.
Na bagagem, nada muito além do básico: luvas, algumas mudas, camisola, cachecol, perfume, saudade, bombom de licor, livro de cabeceira.
Do aeroporto à estação de trem, 20 minutos. Da estação ao destino tão esperado, trem-bala, que é pra chegar mais rápido.
Coração acelerado, cabeça a mil por hora, imaginação fértil delimitando cada cena. Divinamente encenada a sua temporada de música, vinho, poema e outono em Salzburg. Última parada, Estação dos Alpes, tocata de Mozart, taquicardia. Ardia de emoção, sorria por dentro, derramava alegria.
Olhando pela janela, procurava ansiosa. Encontro marcado há tempos, melhor abraço do mundo, acontecimento importante.
Ela, pianista. Ele, violoncelista.
Ela, silêncio. Ele, palavra.
Ela, mergulho. Ele, asa-delta.
Ela, carta. Ele, selo.
Ela, vertigem. Ele, conselho.
Ela, varanda. Ele, rede.
Ela, sina. Ele, sinfonia.
Ela, namorada. Ele, namorado.
Tão diferentes. Tão iguais.
Tão juntos. Tão duo. Tão sempre.
Passado, futuro, presente.
Casados há mais de 20 anos.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Março


Noite escura.
Fez sol.
Encontro iluminado.
Fez sentido.
Grandeza de alegria.
Amor de sinfonia.
Contração de coração.
Fez festa dentro de mim.
Silêncio no hospital.
Emoção dilatada.
Duo de piano e violino começou a tocar.
Tocou a alma.
Sinos ressoaram.
Sina mais linda inventei de viver.
Olhos cheios d’água.
Águas de março.
Nasceu você.


* Retirado do livro Refúgio, Renata Feldman, Editora Asa de Papel, 2013.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Porto seguro


A vida não é lá muito previsível. Por mais que você planeje a rotina, reinvente a sina, siga o script, uma hora o pneu fura. O estômago embrulha. A nuvem cinza cai sobre a sua cabeça e o guarda-chuva ficou em casa. Haja!
Ou não, estava faltando mesmo um senão. De repente o imprevisível surge justamente às três da tarde, na mão do carteiro que bate à sua porta com uma inesperada carta de amor. Carta de amor, em plena era pós-moderna? Só se for. Às vezes é, ué. Vai saber. Vai sentir. Se não tem carta, que reste pelo menos amor.
Ou de repente você ganha na loteria, é convidado para dar a volta ao mundo num balão, se enche de emoção só de pensar no atrevimento inusitado do convite.
Às vezes você é pego de surpresa. Atropelado por uma notícia. Lindamente arremessado pelos olhos daquela moça bonita que já não sai mais da sua cabeça.
Às vezes não acontece nada de novo. Sempre a mesma sexta-feira, de segunda a segunda. Sempre o mesmo arroz com feijão, quer você queira quer não. Vai uma pimentinha aí? Ervas de Provence, répondez s'il vous plaît.
De um jeito ou de outro, seja na turbulência ou em águas mansas, nada melhor do que um porto seguro pra aquietar o coração. Um "como foi o seu dia?" no final dia. Casa de vó. Abraço apertado. Copo d'água. Ombro amigo. Almofada pra chorar baixinho. Montanha pra gritar alto sem ninguém ouvir. Vir... vir... vir...
É quando a família faz todo o sentido. Quando a cumplicidade faz abrigo. Quando quem está ao seu lado está de verdade, por inteiro, bem do lado de dentro.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Assim caminha a desumanidade

Um jogador entra em campo e a torcida do time adversário se agita na arquibancada de forma cruel, desrespeitosa, absolutamente desumana. Impregnados de preconceito racial, homens emitem grunhidos imitando macacos. Perdem a razão, o respeito, a ética e a emoção, literalmente se desumanizando à frente das câmeras. Catarse, força coletiva, crime, animalização. Seja lá o que for, estes chamados seres humanos, teoricamente pensantes, mostram-se lamentavelmente ocos de raciocínio e coração. Em pleno século 21, não dá para acreditar.
Mas ainda não perco a esperança. Resgato da infância a linda música de Paul McCartney e Stevie Wonder que aprendi a cantar na escola: "Ebony and Ivory live together in perfect harmony side by side on my piano keyboard, oh lord, why don't we?" A lembrança é quase fundo musical para o depoimento de Tinga, o jogador-alvo do triste episódio: "Trocaria todos os meus títulos pela vitória contra o preconceito."
Abro o facebook e vejo pessoas formando sua opinião. A unanimidade nunca foi tão sensível e inteligente. Atleticanos verbalizam com indignação seu apoio ao meio-campista do Cruzeiro, unindo-se a ele com solidariedade e respeito. Duas bandeiras tão contrárias flamulam juntas em prol de algo sagrado chamado dignidade.
Escuto meu marido - "Galo até morrer" - comentar sobre as cores da camisa do time do coração:
- É preto e branca, Rê, porque junta as duas raças sem distinção, num grande grito de gol.
Corre esperança nas minhas veias.
Penso no nome do torneio que foi palco deste grande dissabor: Copa Libertadores.
LIBERTA-DORES. Assim seja.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Pausas


Se eu morrer de amor?
Morri.
Flores, violino, último suspiro.
Nasci.
Dor de contração, vôo livre, vou.
Viena, Toscana, Tel Aviv.
Parada cardíaca, abalo de emoção,
nudez enluarada, embalo de dormir.
Concha, estrela,
morrer do sol,
Deus de longe vi.
Poesia, escritura,
lindura de palavra inventada
pra dizer numa sentada
o que senti.
Porvir. Por mim. Tin-tin.
Se eu nascer de amor?
Vivi.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O olho do dono


Sempre tirei o chapéu para os corajosos desbravadores que um dia decidiram abrir uma empresa e fizeram dar certo. Não falo apenas em números, cifras ou ranking de mercado. Falo da empresa que tem do outro lado do balcão um consumidor feliz da vida pela relação estabelecida. Que seja uma padaria, uma floricultura ou companhia aérea, nada melhor que um cliente satisfeito, garantem os especialistas em marketing.
No frigir dos ovos, estamos falando de gente, um dos meus assuntos prediletos. De um lado do balcão, gente que acreditou, sonhou, trabalhou muito para que tudo desse certo; do outro lado, gente encantada com o que recebeu em troca; gente que pede, repete e fala bem da marca para os quatro cantos do mundo. Isso é que é case de sucesso.
Se falar de pão, flor e avião já dá assunto pra mais de hora, imagina quando o assunto é hospital. De um lado o doutor, a anestesia, o soro, a frequência cardíaca; de outro o paciente, a dor, a queda de pressão, o alívio da alta.
Vivi bem de perto esta relação na quarta-feira passada. A paciente, eu. O hospital, Biocor (faço questão da propaganda). O motivo, um cisto no ovário, herança familiar que já premiou quatro mulheres da minha doce linhagem materna - avó, mãe, irmã, prima e agora eu, não podia ficar de fora.
É claro que a gente fica fragilizada. Se é de carne e osso vai sentir dor, medo, susto, especialmente quando lê o termo de consentimento da anestesia. Pior do que bula de remédio. Até a gente entender que faz parte, que a herança é bem-vinda, que os médicos fazem isso de olhos fechados e que a videolaparoscopia foi a melhor invenção dos últimos tempos.
Mas melhor do que a técnica e competência da equipe foi o atendimento acolhedor, humano e afetivo que recebi por lá. Enfermeiras sorridentes, cuidadosas, educadas. Tinha uma com um humor digno de "doutores da alegria", uma graça só.
- Me faz rir não, Gislene, minha barriga vai doer.
Comentando com a minha mãe da nobreza do atendimento, ela falou que só podia ser coisa do dono. (O famoso olho do dono, nesse caso coração melhor se aplicaria.)
- Isso é o Doutor Mário, minha filha, que há anos cumpre o ritual de rodar o hospital inteiro, indo de quarto em quarto só para dizer umas poucas palavras:
- Paz e alegria!
Não demorou muito bateram na porta do apartamento 730.
Era o próprio, com a melhor cara do mundo, sorriso iluminando o rosto. Abriu e fechou a porta em menos de dois minutos, mas disse o essencial:
- Muita luz para vocês! Está faltando alguma coisa?
- Nada não, Dr. Mário, só um ovário...

domingo, 12 de janeiro de 2014

MP o quê?


Enfim, férias. Escolha o destino, arrume as malas e bye-bye rotina.
Olha o picolé! Olha o queijinho assado na brasa! Camarão no capricho, tá servido? Água de coco gelada, sombra e água fresca, quem vai querer?
Eu quero. Ah, meu Deus, como eu mereço. Estender a canga na areia, pensar em nada, grudar no meu livro da Martha Medeiros e ouvir o barulhinho do mar.
Barulhinho do mar tá em falta. A música da barraca tá alta, um tchê tchererê só.
- Ô, amigo, pra essa sua barraca ficar perfeita, tinha que ter uma MPB...
- MP o quê?
E assim caminha a nossa querida música popular brasileira. Sem voz, ruidosamente abafada pelo animado ritmo do sertanejo universitário, funk ostentação e outras baladas mais.
Longe de mim cortar o barato de quem adora um tchu, um tcha, dependendo da dose e do momento vá lá.
Mas só isso? O tempo todo? No último grau? Acho que estou ficando velha.
Tudo por uma Marisa Monte, um Djavan, um Chico Buarque ensolarando ainda mais o meu verão.
"E por falar em saudade", onde anda Rita Lee, Caetano, Gilberto Gil?
Fecho os olhos e escuto, na minha imaginação nostálgica, Legião, Engenheiros, Paralamas. Isso é que é parada do sucesso. E num volume decente, que é pra não atrapalhar a música que vem do mar.
Abro os olhos e vejo minha filha batendo a mãozinha debaixo do queixo e cantarolando "Você vai ficar ba-ban-do." Começa outra música no talo e me lembro de uma sobrinha que daria tudo para estar aqui requebrando no mesmo ritmo. (Acho que ela não vai gostar nada deste post.)
Comento o assunto com o meu marido, digo que vou escrever sobre isso no blog. Ele diz que estou coberta de razão mas música não se discute, cada um na sua, por ele a barraca só tocava o hino do Galo.
E já que rir é o melhor remédio (vitamina “R” na veia, desopila o fígado e faz bem ao coração), vamos que vamos. Apelidei o moço da barraca de deejay e disse a ele que vim de longe pra comer o melhor peroá com farofa do mundo, mas com fundo musical à altura.
O danado é esforçado e não quer perder a freguesia, deu seu jeito e fez o melhor que podia: botou a Paula Fernandes pra tocar.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Paradoxos


Recém Feliz Ano Novo. Novinho em folha, página em branco pronta para virar história. Cheirando à paz, realização, amor, alegria, esses desejos comuns, nossos velhos conhecidos, mas especialmente habilitados em alterar nossos batimentos cardíacos.
Faz uma semana que o mundo parou para encher de luz o seu 2014. Vide os fogos, beijos, abraços, pedidos, promessas, taças tinindo à meia-noite. Saúde.
Por um instante, como que por encanto, é como se o mundo realmente parasse. Altas, pausa, carta branca. (Lembra das brincadeiras de infância?) O calendário vira e estamos todos imunizados contra toda e qualquer coisa contrária a esta energia contagiante que move a gente. Vetada a tristeza, a reclamação, o queixume e azedume, essa dupla pra lá de imperfeita. Isola, bate na madeira, fé no coração e samba no pé. Doze uvas, doze pulinhos, capricha no arroz com lentilha. Alegria, entusiasmo, endorfina, o ano está só começando. Tim-tim.
Mas aí, num paradoxo imenso, desses que não estavam no script, algo vem rabiscar a beleza dessa página em branco.
Contrastante com o adjetivo que costuma acompanhar o Ano Novo, tristeza. Dor. Vazio. Luto.
Pra muita gente sumiu o sol, escureceu o céu, desmoronou o chão.
Em pleno começo de um Feliz Ano Novo, alguém querido morreu. O casamento acabou. A casa caiu. A relação ruiu.
Notícias ruins enchem a pauta dos jornais e esvaziam o peito outrora cheio de esperança.
Fora as grandes tragédias, os pequenos dramas: conversas atravessadas, discussões por bobagens, tons de voz alterados e foi-se embora aquele tanto de paz que te desejaram no dia 31.
Paradoxos de Ano Novo. Ou seriam da vida?
Vida que é feita de sol e chuva, nascer e morrer, amar e sofrer, apagar e acender.
Por mais paradoxal e doloroso que seja, deve haver algum sentido. Haja coração, eu sei. Haja entendimento, paciência, resignação, força para levantar do chão, se é que ainda resta chão.
Respira fundo, enxerga luz nas suas crenças, chora o choro que lava a alma, marca encontro com Deus, vive o luto porque é dele que vem a luta. Uma troca de vogal e tudo muda, mesmo que a duras penas.
Para você que começou 2014 faltando um pedaço, meu desejo sincero, esperançoso, de que não falte luz, amor, força, serenidade e sabedoria na sua travessia. Que você possa seguir em frente, apesar de.
Para você que virou a página como deveria ser, que a inspiração cresça e floresça, mesmo com todos os espinhos que possam surgir no caminho.
Desfrutar dos momentos felizes e aprender a conviver com os infelizes, é bem por aí.
Com todas as letras, vírgulas, interrogações e exclamações, é dentro da gente que se escreve um Ano Novo de verdade.