quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Giovana

Bebês, chorinho, colo, cheirinho. A maternidade sempre me encantou, desde a notícia do Beta HCG até a emoção singular do nascimento. Tanto encantou que acabou virando dissertação de mestrado, quase um parto, não vejo a hora de dar à luz.
Quando não sou mãe sou madrinha, tia coruja, quem precisa de babador sou eu.
Numa disciplina de psicanálise me peguei fascinada pela teoria da identificação, em que o bebê se constitui, torna-se alguém, através do olhar da mãe. (Leia-se também pai, padrinho, madrinha, irmãos, vô e vó...).
A clássica cena da amamentação traduz na prática esse "olhos nos olhos" que fazem parar o tempo, abrindo as janelas da alma. "Esse seu olhar... quando encontra o meu... fala de umas coisas que eu não posso acreditar..."
Se o feriado passado fosse um música, com certeza seria Tom Jobim a embalar minha alegria. Honra e alegria de ser madrinha da Giovana, filha de amigos queridos, a uma distância de quase 800 km daqui.
Pageei a Giovana de longe, antes dela nascer. Amei a Giovana de perto, antes mesmo de a conhecer. E quando o encontro finalmente aconteceu, tudo isso não passou de mera e linda confirmação.
Bochechas sorrindo, trinado de passarinho, aconchego de colo, rosto colado no meu. Na hora do batizado, em que seria natural que ela chorasse, só fazia rir pra mim.
Mas o que mais me tocou foram os olhos de Giovana adentrando os meus. Olhos que no final das contas se fundiram, desapareceram para dar lugar a um olhar cheio de ternura e doçura. Parecia que já nos conhecíamos há muito tempo.
E esse olhar me dizia tanto, mas tanto, que madrinha e afilhada quase se perderam de tanto amar.
Contrariando a teoria, Giovana, foi você que foi me constituindo através da luz desse seu olhar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Guarde na memória

Tem coisas que você não se lembra mais. Tem coisas que grudam na memória como Super Bonder. Super doídas, absurdamente vivas, capazes de arrancar pedaço e tirar o sono. Tem gente que se pergunta como é que a ciência ainda não inventou a pílula do esquecimento. Quem dera esquecer o trauma, o susto, a dor que decidiu não parar de doer.
E quem é que disse que precisa de ciência para apagar a memória?
Basta ser gente. Basta ter um cérebro, um nome, um RG, uma família, um endereço para se esquecer de tudo. (Ou quase tudo.)
Foi assim que aconteceu com a Tia Zirinha. Parênteses: tia iluminada, querida, que desde o início não titubeei em adotá-la como minha. Tia do meu marido, madrinha de casamento, fada madrinha. Jamais vou me esquecer da sua energia, do seu afeto, da sua abundante força e alegria.
Não consegui disfarçar minha tristeza quando soube que o Alzheimer tinha lhe feito uma visita. Mal-educado, esse mal que parece estar na moda. Nem sequer foi convidado, chegou de surpresa. Arrombou a porta, armou acampamento, entrou na vida dela sem pedir licença. Será que veio para apagar da memória coisas pesadas e difíceis que ela teve que viver? Ouso pensar que o Alzheimer vem com o propósito de dar uma trégua, um apagão a quem já sofreu muito um dia, e carrega lembranças de entortar a alma. Mas não. Não combina com a fibra e a luz dessa mulher que sempre teve um entendimento especial da vida. "Se vivi, é porque tive que viver, minha filha. Nada é por acaso."
No aniversário de um cunhado também muito querido, me encontrei com ela pela primeira vez depois da doença. Tiveram que "apresentá-la" para mim. Sua afilhada virou uma simpática desconhecida. Ao afilhado ela olhou com carinho e disse:
- Não te conheço, mas você é um moço bonito. Homem bom. Precisa arrumar uma moça boa para se casar.
(...)
Se já estava emocionada, foi aí que chorei mesmo.
(...)
Mas emocionante mesmo foi o reencontro dela com a filha que estava morando nos Estados Unidos há anos. Carinhosa feito a mãe, Walquíria telefonava todos os dias, interurbano de longa distância e um oceano inteiro de amor ligando as duas. Fazia isso como um ritual, mesmo sem garantia de que a mãe a identificasse ou reconhecesse, pois a memória já falhava inclusive com os filhos.
Quando chegou ao Brasil, a mãe estava dormindo, mas a voz inconfundível que vinha da cozinha foi como despertador. Despertamor.
Sem estranhar tão ilustre visita, olhou a filha nos olhos, passou a mão no seu cabelo, deu um sorriso seguido do abraço mais doce que podia dar na vida e disse:
- Minha filha!...
O "minha filha" mais lúcido, amoroso e cheio de discernimento para alguém que não se lembra mais onde mora, qual o seu nome, quantos anos tem.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Primeiro de Novembro

Amanheço.
Agradeço.
Enterneço de amor pela montanha
que faz nascer o sol.

Choro olhos enluarados de emoção.
Agradeço a todos os santos, todos os anjos,
todo santo dia por este novembro
que nasceu poema.

Primeiro de novembro.
Te escrevo, te leio,
te recito, te lembro.

Entardeço.
Agradeço.
Enterneço de novo de amor
pela montanha que guarda o sol,
por cada pedaço seu que mora em mim.
Adormeço nunca esse amor que não tem fim.