domingo, 29 de agosto de 2010

Quem faz terapia não é doido

Para homenagear o Dia do Psicólogo, a Assessoria de Imprensa da Estácio me pediu para escrever um artigo com o tema acima.
Resolvi  homenagear o cliente - aquele que procura um consultório de psicologia não por loucura (até porque o louco não tem discernimento para procurar ajuda), mas por necessidade, vontade, angústia, dor que não pára de doer.
Dói a solidão, o medo, o trabalho incessante. Dói a desilusão amorosa, a falta de emprego, a ausência dos pais. Dói estar consigo mesmo e se deparar com questões aparentemente impossíveis de responder. Dói se olhar no espelho e ver uma imagem muito distante daquela que se idealizou.
“Problema de cabeça”? Ou problemas que lotam a cabeça? Problemas de todos os tipos, formatos, tamanhos. (Afinal, quem é que não tem problema?) Faz parte da vida sofrer, doer, crescer. Mas esse processo pode ser menos doloroso e confuso quando a pessoa olha para dentro de si e acaba se enxergando. “Muito prazer, eu sou essa senhora que o luto tomou.” “Muito prazer, eu sou esse menino que não quer crescer.” “Muito prazer, eu sou a mulher que ainda não se encontrou.”
Os problemas vão e vem. Não escolhem sexo, idade, raça ou religião. Simplesmente entram na vida de cada um sem pedir licença, arrombando a porta. E se terapia é loucura, as mulheres ganham na “camisa-de-força”. Usam sua sensibilidade e seus hormônios à flor da pele para chorar suas dores, vivenciar seus terrores, enfrentar mudanças. O homem ainda é mais resistente, até porque aprendeu que “homem não chora”. (E o que não falta no consultório é caixa de lenço.) Mas até essa realidade vem mudando. Os homens estão aprendendo a chorar.
Conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo para mudar o rumo da própria história e seguir seu caminho, feliz. De bem com a vida. Com auto-estima. Com gosto de desfrutar os pequenos momentos da vida, aprendendo a conviver com os momentos que não se pediu para viver.
Haja coragem. Haja vontade. Haja disposição para fazer essa travessia ao encontro de si mesmo e se deparar com verdades que muitas vezes não se quer enxergar.
Eu também já fui cliente um dia. É por isso, inclusive, que carrego a mão nesta homenagem.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dá vontade de congelar

Quando se tem filhos, esse comentário é ouvido inúmeras, repetidas vezes: "Nossa, como ele/ela cresceu!... O tempo voa, né?"
É. E cada vez que eu ouvia isso em relação ao Léo, não conseguia esconder meu desejo secreto: "Ai, dá vontade de congelar!..."
Pois então. De tanto espalhar essa frase aos quatro ventos, um dia fui chamada na escola. A professora me disse, delicadamente:
- Parece que o Léo não quer crescer. Trabalhem mais a autonomia dele, deixem ele fazer as coisas sozinho...
Toin-oin-oin-oin-oin...
Já disse isso aqui: cuidado com o que você pede, pois você pode conseguir.
Parei de falar a tal frase-síndrome de Peter Pan, mas outro dia esbarrei com a música do Toquinho, "Menininha" (ttp://letras.terra.com.br/toquinho/87397/ ) e não me contive. Pus a Bella no colo e dançamos uma valsa inteira, olhos nos olhos, eu com um forte desejo secreto de que a minha menininha também não crescesse. Ao final da música, óbvio que pelo tanto de vezes que se ouve a palavra "bicho-papão", ela soltou essa:
- Assustadora essa música, mamãe!...
- É, filha. Assustadora mesmo...

domingo, 22 de agosto de 2010

Dor de esTUDO

Hoje tá doendo tudo lá em casa.
Tem dor de barriga, dor de dente,
dor de pé, dor de cabeça,
dor de sono, dor de tudo e mais alguma coisa.
Estou ensinando o Léo a estudar pras provas.
Dói cada vez que ele  abre o livro.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Esconde-esconde

Onde é que foi parar o brilho dos seus olhos?
Sua força para escalar montanhas e atravessar rios gelados?
Sua energia de criança, onde é que foi parar?
Só quer cama. Chão. Sombra. Lado de dentro.
Não responde. Não vê graça. Não quer mais brincar.
Em que armário trancado se escondeu a sua alma?
Quem é que sequestrou seus sonhos?
Suas lembranças tão cheias de vida.
Suas estrofes de poesia.
Pede ajuda pra São Longuinho.
Dá três pulinhos.
Põe sua roupa mais bonita.
Tem muita vida lá fora.
Vai se encontrar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Não tem preço

Aprendi a gostar de cachorro com a minha irmã Tatiana. Veterinária de mão cheia, especialista em ultrassonografia, acabou me dando três sobrinhos de estimação: Pipoca, Nick e Nina.
Apesar de paparicar igualmente os três, confesso minha predileção pela Pipoca: uma Bassê preta  com olhos de gente, desses olhos de ternura e lealdade que matam a gente.
O Léo - bobo que não é -  também já percebeu isso, e ontem soltou mais uma das suas. Foi dormir na casa da minha mãe, junto com a "Ta Tati" e os três cachorros, e me ligou de lá todo satisfeito:
- Mãe, vamos comprar a Pipoca? A Ta Tati vende pra gente!...
- É mesmo, Léo?! Por quanto?
Ele repassou a pergunta para a tia, que estava por perto:
- Quanto mesmo, Ta Tati?
- Não tem preço, Léo...
- Oba! É de graça, mãe!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A vida continua

Um dia, enfim, ela resolveu amar de novo. Juntou os cacos, molhou a terra, transformou rascunho em poesia.
Fazia sol lá fora. Fazia sol lá dentro. A música já não era desafinada. O choro já não doía tanto. 
Abriu  a porta, estranhou a claridade, esperou o trem passar. Deu bom dia ao vizinho, riu sozinha, deu o ar da graça.
Há muito tempo não se sentia assim, tão inteira.
Limpa, sem poeira, sem eira nem beira.
Decretado o fim do luto, o recomeço da vida, a continuidade de sua existência.
E veio flor da terra. Emoção da poesia. Dança da música. Passageiro do trem. Vida do luto.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ele é o cara (metade)

Ontem eu passei uma tarde agradável na Praça da Liberdade, participando de uma gravação para o MGTV (http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1314691-7823-DIA+DOS+PAIS+DEVE+SERVIR+PARA+COMEMORAR+A+PRESENCA+DELES+NA+VIDA+DOS+FILHOS,00.html. ) O tema? Dia dos Pais. O enfoque? A cumplicidade entre pais e filhos.
Como diz o velho ditado, "não basta ser pai. Tem que participar." E aí a repórter queria saber se essa participação vem aumentando nos últimos tempos. Se a cumplicidade hoje é maior. Se essa presença é importante, entre outras tantas perguntas.
Foi bom ouvir, nas minhas próprias respostas, a constatação de que sim, essa participação aumentou. O pai de hoje (sem excluir os de ontem, que também faziam por onde) troca fraldas, dá banho, acorda de madrugada. A boa notícia é que isso vem ocorrendo não por imposição, muito menos regra. É claro que os homens têm percebido uma necessidade de ajudar as mulheres na criação dos filhos. (Elas, de cuidadoras, passaram a exercer também o papel de provedoras. Acordam cedo e vão trabalhar fora, pegando no batente feito gente grande.) Mas o provedor oficial passou a sentir, acima de tudo, uma demanda de prover também os cuidados essenciais. E faz isso com gosto, com afeto, com a emoção de zelar por um pedaço seu. O filho precisa desse afeto. O filho pede esse afeto. Não é porque ficou nove meses na barriga da mãe e mamou no seu peito que a presença paterna será menos importante. Você, como filho(a), sabe disso:  é a parte inteira de duas metades.
Eu espero que você tenha tido um Feliz Dia dos Pais. Regado a beijos, abraços, café na cama, cartões apaixonados, família reunida, panelada de frango e cantoria. Tem quem diga que este é apenas um dia comercial. Eu prefiro dizer que é o dia oficial de dizer "eu te amo" para aquela metade essencial que presenteou você com a vida.

PS: Se o seu Dia dos Pais foi regado a saudade, ainda assim você terá prestado sua homenagem. O amor transforma distância em encontro, ausência em presença, separação em abraço.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Presente

Apesar de já ter trocado de empregada uma centena de vezes (ô carma difícil, sô), dei a sorte de encontrar dois anjos que praticamente viraram parte da família: a Selma (Selminha, "Titia"), que ficou comigo oito anos e teve que voltar pra roça; e a Celma, com C, que veio pra quebrar o galho e acabou plantando um jardim inteiro. Foi babá da Bella, virou nossa passadeira e duas vezes por semana é recebida com o maior carinho do mundo.
Ontem o Léo soltou essa com ela:
- Celma, você nunca - NUNCA - precisa me dar um presente.
- Não, Léo? Mas por quê?
- Porque você já é o meu presente...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Adole-scente

Um dia os filhos crescem. Resolvem dar seus rolés pelo mundo. Jogam fora seus relógios quando têm hora para chegar. Reinventam a roda. Confrontam os pais. Jorram hormônios. Comem demais. Comem de menos. Vazam. Ficam. Pegam. Enxergam espinhas no espelho. Perdem o rumo. Andam em bandos. Debandam. Trancam-se no quarto. Passam no vestibular. Sofrem com suas escolhas. Arrumam as malas. Nova Zelândia, Paris, Sabará. Sonhos. Beijos. Chicletes. Sexo, drogas, rock and roll. Aula de inglês, francês, espanhol. Música no talo. Indefinição. Nem criança nem adulto: adolescente. Que sente falta. Que sente raiva.  Que sente medo. Que sente prazer. Que sente angústia, cólica, dor de dente. Adole-scente.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O som que vem do amor

Antes mesmo de eu nascer, a música já fazia parte da minha vida.  As primeiras contrações da minha mãe começaram em um concerto de Chopin, tendo meus avós maternos como testemunhas dessa emoção. Foi o meu jeito de aplaudir, de pedir pra nascer.
Fui estudar piano, influenciada pela lembrança da minha querida avó Bella. Conheci o amor através das sonatas de Schumann. Chorei com "Jesus alegria dos homens". Embalei os meus filhos com a poesia de Mozart.
Troquei o piano por esse teclado aqui.  Minha professora virou cunhada, madrinha, fada-madrinha.
Semana passada fui assisti-la em um concerto comemorativo dos 200 anos de Chopin e Schumann. Dessa vez não pedi pra nascer. Agradeci por viver, por presentear minha alma com o piano de Rosiane Lemos e o violoncelo de Kayami Satomi. Eu que amo a escuta desde sempre, me emocionei com o diálogo harmonioso, tocante desses dois instrumentos, desses dois talentos. Escutei o amor - esse amor que é falado, compartilhado, melodiosamente suplicado.
Até se casar com ela, Schumann viveu por Clara um amor proibido - declarado nas suas cartas e na composição das Cenas Infantis. Os nomes dados a estas pequenas peças traduzem um muito dessa história de amor: "Jogo da cabra-cega", "Desejo de criança", "Completamente feliz", "Grande acontecimento", "Quase demasiado sério", "O poeta fala".
Sim, meu caro Schumann. O poeta fala, ama, sofre, canta e encanta. A gente escuta e por vezes responde.