quarta-feira, 24 de abril de 2013

Mães de carne e osso


Sim, existem mães perfeitas.
Insistentemente magras, endeusadas,
santas, heroínas, mitificadas.
Consagradas ao posto de mulher-maravilha ou elástico,
horário nobre no paraíso.
Tão compactadamente cheias de pó compacto,
photoshop, barrigas de plástico.
Abra o jornal e lá estão elas:
impecavelmente perfeitas nos anúncios publicitários,
vendendo de perfume a geladeira para o Dia das Mães.
Desligo a TV e me olho no espelho.
Cansaço e alegria.
Labuta e correria.
Colo e coragem.
Amor e ancoragem.
Reza e anjo da guarda.
Não sei mais quantas linhas de expressão.
Cada uma um significado,
uma noite perdida, uma vida inteira ganha.
Ô. Presente que não se encontra
em loja nenhuma do mundo.
Luz que não se acende com mil camêras,
mas dentro dessa mãe que é de carne e osso.
Sim. Se você não sabia, mãe é de carne e osso.
Erra e tropeça também.
Borra a maquiagem, quebra o salto,
se perde nos seus achados,
agenda reuniões diárias com Deus.
Ainda bem que é de carne e osso.
É dessa combinação que nascem
os abraços mais apertados,
amorosos, verdadeiros, inteiros,
cheios de afeto e de uma ligação única,
que propaganda nenhuma jamais conseguiu inventar.

sábado, 13 de abril de 2013

Perolices profissionais


Para as crianças, profissão é um assunto que não costuma causar muita polêmica.
A boa e velha frase "O que você vai ser quando crescer?" traz algumas respostas na ponta da língua.
A Bella, por exemplo, já decidiu que vai ser psicóloga, escritora, cozinheira e professora.
O Léo quer ser engenheiro de lego, arquiteto, ator e diretor de filmes de ação. De 007 pra cima.
Aí eles crescem e, na hora H, percebem que escolher a profissão da sua vida não é algo tão simples assim.
Dá-lhe angústia. Dá-lhe dúvida. Dá-lhe sessão de terapia e teste vocacional para definir
seu ganha-pão, sua rotina diária, seu brilho nos olhos. (O fundamental brilho nos olhos.)
E aí um dia, além de profissionais, eles viram pai e mãe, sempre apressados para trabalhar,
e ainda tendo que parar para explicar aos filhos o que significa essa correria toda:
- Mas, mamãe, por que você tem que trabalhar? Vou ficar com saudade!...
- Por que a mamãe tem que ganhar dinheiro para pagar a escola, pagar a nossa ajudante,
comprar coisas gostosas pra gente comer... Suas roupas, seus brinquedos,
sua festa de aniversário, tudo custa dinheiro.
Mas não é só por isso, minha filha: a mamãe adora trabalhar.
Vejo algumas mães sofrendo, carregando uma tonelada de culpa nas costas porque trabalham fora.
Elas se esquecem do modelo importante que são para os filhos:
modelo de gente trabalhadora, batalhadora, realizada, feliz.
E, apesar da saudade, os pequenos vão se enchendo de orgulho dos pais.
Outro dia a Bella estava numa prosa animada com a Sofia, uma de suas amigas prediletas,
justamente sobre esse assunto:
- Sabia, Bebella, que o meu pai é presidente da escola? (...)
- Pois o meu é síndico. Ele manda no prédio todo. (!)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Falta


A história você já conhece:
a gente nasce, cresce, envelhece e morre um dia.
(Não necessariamente nesta ordem.)
Mas o tal do morrer assusta,
por mais "natural" que seja.
É que o "natural" também passa
pelo forte impacto do factual,
da concretude da perda, do fim mais finito.
Quem parte vai virar etéreo, anjo, estrela,
na melhor explicação que costuma se dar às crianças.
Quem fica precisa se acostumar com a presença
doída, moída, torturante de uma ausência
que não estava no script,
apesar de lá estar desde sempre.
Por mais rezas e velas acesas,
somos acostumados ao material.
Somos afetivamente,
emocionalmente materialistas por natureza.
O telefone que toca. O colo que acolhe.
A voz que pergunta como foi o dia.
O comprimido, a alergia, a mudança de tempo.
Os pés entrelaçados na cama.
O perfume, o toque, o braço que abraça.
O termômetro que atesta a febre,
o copo de leite, a roupa cheirando à amaciante,
o fio de cabelo no travesseiro.
As gavetas, o criado-mudo, o prato predileto,
a risada inconfundível.
O controle-remoto, o Jornal Nacional,
o sofá agora imenso.
As manias, os sapatos, a cabeceira vazia.
E aí vem a missa de sétimo, vigésimo, milésimo dia.
Só o tempo para serenar a dor
e acalmar esse mar revolto
que um dia quase afundou seus olhos.
Quem se foi nunca precisou ter ido, essa é a verdade.
Quem se foi jamais se vai.
Vira estrela dentro da gente,
pulsando no coração há de eterno.
Tão dentro, tão perto, tão luz, tão sempre.
Saudade muda de nome, perde o sentido, perde o rumo.
Saudade a gente sente de quem está longe.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Apaixonadamente


Mania essa de viver apaixonadamente.
De transformar cada gota de suor, sonho,
travessia em grito de gol.
Alçar vôo, romper o chão.
Roubar a lua para pôr nos olhos.
Audaciosa e escancaradamente.
Deixar à mostra essa alegria que te move,
te acorda, te faz.
Fazer o para-casa, sair de casa,
mostrar ao mundo a sua cara.
Hospedar o Paul, lotar o estádio,
fazer o melhor café do mundo.
Pura energia, sintonia,
música que não desafina.
Voltar a enxergar.
Voltar a andar, mesmo que numa cadeira de rodas.
Colocar emoção num prato de arroz com feijão.
Pimenta a gosto.
Qualquer que seja o motivo é motivo.
Se alguém inventou a monotonia, que desinvente.
Que tente.
Você não tem tempo a perder.
Você não precisa ter medo de ser. Seja.
Viver apaixonadamente, lembra?
Taquicardia, perna bamba, tormento de encantamento.
Te dou dois segundos pra roubar a lua.