quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Minhocas

Preocupada, roendo as unhas, Lucíola pôs-se a caminho do consultório de neurologia. Sua cabeça pesava de tanto pensar. Muitos pensamentos, um atrás do outro, se enroscando de forma confusa e acelerada. Tais pensamentos não diziam respeito apenas ao resultado da tomografia computadorizada que ela ia buscar. Junto à preocupação de ter um tumor no cérebro vinham outras questões, não tão graves e urgentes:
- Será que o namoro vai dar certo?
- Será que não está muito cedo pra conhecer a família dele?
- E aquela tatuagem no braço, o que que a minha mãe vai pensar?
- E se o namoro atrapalhar os meus estudos?
- E se ele só estiver querendo sexo?
- E se me enrolar vinte anos?
- E se me trair com a minha melhor amiga?
- E se, e se, e se?
Nesse exato momento, Lucíola ouve a voz da secretária:
- Lucíola Fernandes? Pode entrar.
Interrogatório interrompido. A pobre moça entra no consultório e encontra um Dr. Júlio um tanto quanto  abatido, preocupado.
- É grave, doutor?
- Fique calma, Lucíola. Não se trata de tumor nem aneurisma, mas é caso de cirurgia, e rápido.
  Sua cabeça está infestada de minhocas.
.............................................................
[Continua no próximo post. ]

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Nascer

Deixa nascer o amor.
Desperta a alegria adormecida.
Nina a esperança.
Embala o sonho.
Pede perdão.
Perdoa.
Abre janelas.
Abre caminhos.
Deixa o amor nascer.
Deixa a realização crescer.
Apaga a luz.
Acende a vela.
Enche de luz a sua vida.
Feliz Natal, Feliz Você,
Feliz de mim que tenho você como presente.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pausa importante

Depois de sete anos, encerro um ciclo importante da minha vida. Um ciclo feito de trocas, ensinamentos, aprendizado.
Dar aulas era dar um pouco de mim a cada um dos meus alunos. Era encher o quadro da palavra realização. Era transformar erro em acerto. Era temperar com "pimentinha" o arroz com feijão.
Era seguir cronogramas, aplicar provas, exigir o máximo, não economizar na saliva e  no coração.
Levo comigo os alunos que tanto me ensinaram. Levo comigo os colegas que se tornaram eternos amigos. Levo comigo a paixão que rima com educação (herança do meu avô e da minha mãe, com quem tanto aprendi também).
Encerro este ciclo junto de alguns colegas muito especiais e queridos, a última leva dos professores mais antigos da Estácio: Marina Sepúlveda, Lamounier, Dulce, Pat Pinho. Que possamos nos reencontrar em outros ciclos, em outras possíveis travessias.
A todos que compartilharam comigo desta jornada, o meu muito obrigada e meu imenso carinho.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mudança

Operação esvaziar gavetas. Encher a alma de sonhos. Pensar no que foi, no que passou e no que poderia ter sido. Olhar pra frente com olhos de quem não quer apenas enxergar. Quer ver e viver. Viver com leveza,  mochila leve, carregando apenas o essencial. Sem trequeiras, chieiras, essas coisas tolas e desnecessárias que só envergam as costas.
Caminhar, enfim. De um jeito novo, genuíno, a sua cara.
Papéis velhos no lixo. Manias velhas bye-bye. Afunda o pezinho na areia, toma um banho de descarrego e agradece pela sua vida, do jeitinho que ela é.
Se não tiver mar por perto, escala uma montanha, inventa um rapel, mistura sal grosso na água do banho.
A contagem regressiva já começou. Crie o seu ritual e deixa chegar a mudança.
"Feliz" é um excelente adjetivo para acompanhar "Ano Novo".

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vale a pena ler de novo

Não sou muito chegada em números. Nunca fui. Mas caí, sem querer, na seção de estatísticas do blog, e fiquei surpresa com este dado: das 16.611 visitas que já recebi aqui , o post "Família" (de 29/03/10, que reproduzo logo abaixo, na íntegra) foi o mais lido, com 3.936 acessos. Fico feliz pela repercussão e cada vez mais convicta de que esse tema foi feito mesmo pra receber a maior atenção do mundo. Vocês não pediram, mas ganham bis.
Família nenhuma é perfeita. Unida, embolada, fragmentada, inteira. Com anjos ou ovelhas negras, mama italiana ou judia por natureza, pais separados ou em plenas bodas.
A verdade é que nada é mais confortante do que poder ter a família por perto, nas horas boas e nas horas ruins. Seja para dar uma boa notícia, acudir na hora do aperto, estender a mão, passar pra frente uma prece, pedir colo e proteção.
Por maiores que sejam as diferenças e os caminhos trilhados por cada um, nada como esta ligação que dá razão e sentido. Nada como o abraço contagiante, o almoço de domingo, os olhos cheios de emoção. Nada como olhar pra trás e enxergar as raízes - raízes que sustentam, fazem história, explicam um porção de coisas e geram frutos os mais lindos.
Se é verdade que a gente escolhe, muito antes de nascer, a família que vai fazer parte, encho o coração de ternura para agradecer de onde vim. E olho com imenso carinho o que também veio depois disso - a família que formei, a família do meu marido, que adotei como minha.
Família nenhuma é perfeita, eu sei. Mas é tudo.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Coisas do gênero

Mais uma pequena "perolice" do Léo:
- Mãe, eu queria ter um irmão.
- Mas Léo, você já tem a Bella...
- Não, mãe, eu queria um menino, pra me fazer companhia...
- Mas... Já pensou? E se vier outra menina?
- Aí eu tô ferrado!...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Natal "muderno"


Então é Natal. Com toda a correria, o cansaço, o trânsito já radicalmente congestionado, as lojas pulando em cima de você para vender de tudo um muito, você encontra um tempinho para ir entrando no clima. Tira a árvore do armário, os enfeites das caixas, coloca aquele CD de músicas natalinas, vai montando a árvore, assentando os sentimentos no coração, pensando que afinal de contas há um sentido em tudo isso. (Pelo menos, deve haver.)
Quando há crianças no meio, então, tudo fica ainda mais divertido, mais cheio de graça. Já faz algum tempo que o Léo não acredita em Papai Noel. A Bella, ao contrário, faz um "ahhhhhhhhh" cada vez que vê um desses bonecos de Papai Noel "escalando" os prédios e tentando entrar pela janela.
E aí me aparece o Léo com uma cartinha de Natal.
- Cartinha de Natal, Léo? (?!)
- É, mãe, pra você. Vou pôr lá na árvore, não esquece de ler.
Eis a cartinha:
"Pai, mãe, quero um avião do Lego com aeroporto. Compra na Games, lá é mais barato."

sábado, 4 de dezembro de 2010

Pop Love

Ontem fui assistir a uma peça do Grupo Galpão, estrelada pela minha querida amiga Cris. (A peça fica até amanhã no Galpão Cine Horto, ainda dá tempo de aproveitar.)
Não vou estragar a surpresa, mas adianto que é uma peça cheinha de elementos para você pensar. Pensar no que você anda vivendo, desejando, querendo. Pensar inclusive no que você anda engolindo por aí.
Pop Love tem Michael Jackson, Barbie, a babá da Barbie, uma empregada evangélica, uma arrumadeira peituda, uma cirurgiã plastificada. Tem até apresentadores de jornal assentados em vaso sanitário. Escatologia misturada com dramaturgia. Um prato cheio pra você morrer de rir mas acima de tudo refletir sobre esse nosso querido século XXI.
Lá da plateia, na segunda fila, fui sendo aos poucos impactada pela densidade crítica (e criativa, diga-se de passagem) com que a peça se desenrolava.
Se você quiser um retrato bem fiel do nosso tempo, tem que ir lá vi-ver esse Pop Love.

domingo, 28 de novembro de 2010

Quitandeira

Quem me conhece sabe o quanto eu sou quitandeira. Adoro um café com biscoitinho, pão de queijo, bolo saindo do forno.
Quando era pequena, minha mãe me pôs na aula de arte. Apesar de eu não levar o menor jeito pra coisa, achava tudo uma delícia, especialmente o lanchinho que era servido no meio da manhã: pão de queijo quentinho e Coca-Cola (uma garrafinha pra cada aluno).
Pois um belo dia a professora veio perguntar qual atividade a gente mais gostava -  se argila, pintura, colagem ou desenho. Não levei meio minuto para responder:
"- O que eu mais gosto é a hora do lanche!" (...)
Tô contando isso tudo pra dizer que o meu paladar anda encantado por uma novidade que surgiu no mercado, e eu vou ter que fazer propaganda: The Joy of My Life (www.wix.com/estudiorm/thejoyofmylife). Pelo nome a gente já vê que pode esperar coisa boa. Bota boa nisso: bolos, terrines e compotas de comer ajoelhado. A quitandinha que eu amo só que com um toque especial, um refinamento que dá gosto.
O que eu fico mais admirada é com a criatividade dos ingredientes: bolo de chocolate amargo com gengibre; bolo inglês de calabresa com funghi; geléia de morango com tomilho, e por aí vai. Quitanda gourmet, entende? Perfeito para saborear e presentear (as embalagens são lindas).
Você deve estar pensando: A Renata está ganhando comissão, só pode!
 Tô não. Nadica de nada. Mas dica boa a gente tem que passar pra frente. E além disso eu preciso dividir uns quilinhos com você.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sou


Amo.
Sinto.
Penso.
Choro.
Vivo.
Morro.
Brinco.
Corro.
Sou coletânea de verbos, olhos, raízes, histórias.
Sou sangue, suor. Palavra. Ação.
Sou dúvida, resposta. Inverno. Emoção.
Sou eu. Sou você.
Sou música, lua. Estrada. Rua.
Sou fruto de um amor colhido cedo.
Sou bom dia. Vento. Alegria.
Sou sol. Si bemol. Jardineira na janela.
E você?
Qual é a sua graça?
 Queira se apresentar.

sábado, 20 de novembro de 2010

Não tá no gibi

Quem acompanha o blog sabe o quanto a Bella tá ligadíssima na turma da Mônica. Dorme grudada no Sansão, não sai da cabaninha e vive brincando que ela é a Mônica e eu sou a Magali.
Pois ontem a baixinha quase me matou de vergonha. Espontaneidade de criança, fazer o quê? Você também já foi assim um dia.
Fui buscá-la na escola e, quando atravessávamos a rua, subia uma moça - aham... -  não muito magra e esguia.
Sem titubear, a pequena apontou o dedo pra moça e exclamou:
- Olha, mãe! Igual a Mônica! Baixinha, gorducha e dentuça!...
(!...)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tanto faz

Vinho ou cerveja?
Pizza ou fetttuccine?
Praia ou montanha?
Casório ou bicicleta?
Cinema ou teatro?
Café ou chocolate?
Paris ou Madrid?
Picasso ou Monet?
Voilà, só não vale tanto faz.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vergonha

Tem gente que sente vergonha sem precisar sentir. Engasga na hora de falar em público, fica vermelho na hora de pedir um favor, não sai da toca para não correr o risco de se expor.
Eu não deveria, mas estou sentindo muita vergonha do Brasil. Vergonha de um ENEM que falhou pela segunda vez. Vergonha de um projeto manchado pela incompetência, negligência, falta de estrutura.
Eu já fui vestibulanda um dia. Duas vezes, aliás, em dois momentos diferentes. Eu sei o que é virar noite estudando, comer livro, esquecer os domingos, morrer de dificuldade em física, enlouquecer com a matemática, decorar fórmulas de química, não ter vida, enfim, para correr atrás de um sonho, para conquistar um lugar em uma boa faculdade e abraçar uma profissão que te faça brilhar os olhos.
E é em nome destes brasileiros que deram o sangue no ENEM que eu deixo registrado aqui todo o meu pesar e mais profunda indignação. Júlia, Ana, Luísa, Hugo, Lucas, Diego e tantos outros ávidos por acertar, exaustos de tanta aula e tantos livros, esforçados, ansiosos, cuidadosos em marcar a letra certa numa prova que não teve com eles o mesmo cuidado.
Faltou seriedade. Faltou respeito. Faltou o básico.
Nota zero para o ENEM.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bênção de pai

"Um anjo veio aqui, nos deu um beijo e voltou aos céus. Que Deus o abençoe, meu filho. Fique em paz."
Um grande amigo deixou hoje essa frase no twitter. Chorei de longe a dor da perda, o silêncio do luto, a tristeza de um ultrassom que não trouxe boas notícias. Chorei com ele ao telefone, transformando interurbano em abraço, enviando para sua esposa, querida amiga, todo o colo que eu poderia dar, mesmo em pensamento.
Que maneira bonita de se despedir de um filho. De tomá-lo como anjo compreendendo ao certo o significado desse amor, mesmo por poucos meses. De abençoá-lo com a força que esse gesto tem para a vida inteira.
O que você fez, meu querido amigo, foi praticar uma bonita lei da Constelação Familiar: acolher esse filho no coração, dando a ele um lugar que será para sempre dele. Buscando entender que há uma Força Maior regendo a nossa vida, mesmo quando se apaga a luz.
No coração dos seus amigos aqui, este anjo também tem seu lugar marcado.
Que Deus abençoe vocês.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sonhos

"Fale-me do seu sonho", te diria Freud. Qualquer que seja ele: uma cobra, um navio em alto mar, um casamento na Disney, uma mesa cheia de doces, uma loja inteira, uma festa de arromba, um amigo que já morreu.
Viva o seu sonho, eu te diria. Qualquer que seja ele: Paris, Grécia, São Paulo. Medicina, moda, gastronomia. Namorado, marido, fãs alucinados. Concurso, consultório, cassino em Las Vegas. Um filho, dois enteados, trigêmeos. Amor pra inundar a alma. Paisagens pra fotografar a felicidade. Música para enfeitiçar os olhos. Luz pra arrepiar o corpo inteiro. Muito vinho para celebrar a vida.
Qualquer que seja o seu sonho, o significado é este:
você pode realizar.
Não é à toa que realização termina com ão.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Decepção

Pisou na bola.
Te deixou de escanteio.
Deu o bolo.
Puxou o tapete.
Furou o olho.
Te traiu com o seu melhor amigo.
Falou mal de você nas costas.
Prometeu mundos e fundos.
Jogou sua confiança no lixo.
Levantou os ombros.
Cantou "tô nem aí".
"Tomou Doril. Sumiu."
Decepção. Cão.
Pitbull em forma de emoção.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Como num passe de mágica

Pensar que ontem você era um grande sonho
dentro de mim.
Grãozinho de arroz, coração batendo junto do meu.
Tanto tempo de espera, eu já me vendo estéril,
grávida de esperança.
Pensar que ontem você dançava balé dentro de mim, fazendo acrobacias e pedindo bis.
Pensar que ontem você era uma recém-punkezinha
de cabelo espetado, sorrisos pro vento
e braveza de madrugada.
Pensar que ontem já é hoje, apressado esse tempo.
E que três anos se passaram como se passam as páginas de um livro de poesia.
Com o encanto e a delicadeza que moram nas palavras,
enchem a vida de ternura
e iluminam os olhos de quem lê.
Pensar que hoje você é Bella Adormecida,
Cinderela, Branca de Neve,
Alice no País das Maravilhas, Fada Sininho.
Ah, minha Bella, se eu pudesse
pegava sua varinha de condão
e te transformava na minha eterna menininha.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eterna infância

Adoro chocolate.
Adoro jujuba. Bala chita. Caramelo.
Adoro canjica. Torta de limão. Arroz doce.
Adoro bala delícia.
Adoro bombom de nozes, uva, morango.
Adoro fondue de chocolate.
Adoro Chokito, Sonho de valsa, Diamante Negro.
Adoro bombom de cereja da Kopenhagen.
Adoro Lindt ao leite.
Adoro Tablito, pirulito que vira chicletes,
 chicletes com caldinho.
Adoro brigadeiro, chapéu de napoleão,
delícia de damasco.
Adoro amor em pedaços, bombinha de chocolate,
baba de moça.
Detesto pensar onde é que vai parar tudo isso.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mônica e Cebolinha

A Bella está "estudando" a Turma da Mônica na escola.
Agora deu pra sair correndo atrás do Léo girando a toalha de rosto como se fosse o Sansão:
- Cebolinhaaaaaaaa!...
É. Mas o meu Cebolinha está cada vez mais Cascão.
Quando eu chego na escola para buscá-lo, vermelho e esbaforido de tanto jogar futebol,  ele vai logo avisando:
- Não preciso tomar banho não, mãe. Não suei nadinha. (!...)

domingo, 24 de outubro de 2010

Nunca!

Pai e mãe vivem falando NÃO pros filhos.
Os filhos choram com força quando ganham NÃO,
mas no fundo no fundo vivem pedindo por essas três poderosas letrinhas.
(Limite é bom e eles gostam.)
Quando a criança aprende a falar NÃO, desembesta.
É NÃO praquela roupa, NÃO pro feijão,
NÃO pro remédio, NÃO pra desligar a televisão,
NÃO pro banho, NÃO pra acordar cedo e por aí vai.
Pois a Bella resolveu radicalizar.
Outro dia perguntei se ela queria melancia e ela não titubeou:
"- NUNCA, NUNCA, NUNCA!!!"

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Anjos

Há 12 anos assisti ao filme Cidade dos Anjos, e essa semana repeti a dose na V Mostra de Cinema Comentado da Estácio. Quase desmanchei de tanto chorar.
À delícia do filme se juntou o brilhantismo do Prof. Júlio Pinto, doutor em semiótica, que foi buscar em Platão, Aristóteles, no amor e nos anjos uma linha de raciocínio permeada de emoção.
O enredo é bem interessante: um anjo (Nicolas Cage) se apaixona por uma mortal (Meg Ryan) e renuncia à eternidade, vira gente, só para ficar com ela. O final do filme é doído, surpreendente, e eu não vou contar aqui porque pode ser que você ainda não tenha visto. (Não perca.)
Mas isso eu conto: o filme é um convite pra você pensar no que anda fazendo da sua vida. No tanto que você anda sendo gente, anjo ou robô. No tanto que anda enchendo a cabeça de coisas ou no tanto que anda se permitindo sentir. Sem muita razão, teoria, blablablá, certo ou errado. Apenas sentir.
O Prof. Júlio falou com muita propriedade desses dois verbos. Pensar é especialidade dos anjos, que estão lá em cima assistindo a tudo aqui na terra. O sentir é inerente aos humanos, e foi isso que atraiu tanto o anjo vivido por Nicolas Cage: a paixão, a pele, os lindos olhos da Meg Ryan. O banho quente, a água do mar, a lareira acesa, o sangue vermelho, o beijo, o toque, a pêra que faltava na salada de frutas.
E aí a gente lembra o quanto a nossa vida é sensória. E o quanto é curta também. Por isso, você que é gente de carne e osso, páre e pense um pouquinho se o sentir não anda fazendo falta na sua vida. Até que ponto você não está sendo anjo demais, pensante demais, robô em demasia.
Se a gente não pensasse, não seria gente. Mas se a gente também não sente, vira anjo frustrado, despido de asas e do amor que nos move em tudo, pra lá da eternidade.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dono(a) do seu nariz

Tudo o que você queria era ser dono(a) do seu nariz. Ter seu canto, seu teto, juntar as escovas de dente, casar de véu e grinalda, morar sozinho(a) e tocar bateria até às duas da manhã. Só esqueceram de te contar que, junto com o nariz, vem a casa. Sim, meu(inha) caro(a), o pacote é completo.
E junto com a casa vem as louças pra lavar, roupa suja enchendo o cesto, supermercado pra fazer, poeira pra tirar, roupas molhadas no varal. E tem também o lixo pra reciclar, vidro pra limpar, bombeiro pra desentupir a pia.  Que bom que inventaram o bombeiro. Porque tem hora que pega fogo. Esturrica. Queima o filme da empregada quando ela resolve dar o bolo em plena segunda-feira.
Bom mesmo é abrir as janelas, ventilar a casa, sentir o cheiro de bolo de chocolate assando no final da tarde. Sua música preferida, suas plantas, seus vestidos perfumando o armário. Cama com edredon, velas acesas, livro de cabeceira, flores no vaso. Cheiro de casa, almofadas fofas, aconchego, útero de mãe. Nada como ser dono(a) de um nariz que respira tudo isso.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Choro de gente grande

Tá bom. Vou aproveitar esse restinho da semana das Crianças para acordar a criança que está bem aí, dentro de você, brincando de esconde-esconde.
A criança que quer chorar, mas não deve.
Que quer brincar, mas não tem tempo.
Que vê bichos nas nuvens.
Que pede colo.
Que faz careta pro brócolis.
Que morre de ciúmes do irmão.
Que não gosta de tomar banho.
Vai lá, faz birra. Pirraça. Sapateia no chão.
Pode não adiantar nada.
Você não vai ganhar aquela boneca.
Adeus caminhãozinho.
Quem sabe um castigo?
Umas boas palmadas.
Não, palmada nem pensar. Não pode.
Mas, no mínimo no mínimo, você vai lavar a alma.
Depois enxuga as lágrimas, bola pra frente,
ergue a cabeça, bota sua criança pra dormir.
Ufa!
Feliz Dia dessa Criança que já cresceu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Soterrados

Estava indo dar aula ontem bem cedinho e, como de costume, ouvia a rádio Band News, que eu adoro.
Parada num sinal, me emocionei com o resgate do nono mineiro soterrado no Chile. Me emocionei com os aplausos, com os sessenta e nove dias debaixo da terra, com a alegria da família em rever um ente querido, vivo por um milagre.
Por um minuto eu também queria estar lá para aplaudir. Para ver a esperança transformada em vitória; para ver o escuro se transformar em luz; para ver a fé se transformar em coragem, e a coragem se transformar em força.
O sinal abriu e eu segui pensando nos outros tantos soterramentos sutis, simbólicos, que escurecem e aprisionam a vida, às vezes uma vida inteira: o CTI, a coma alcoólica, a agressão física, o abuso sexual, o abuso psíquico, o assédio moral. Sem falar nos outros tipos de escuridão, mais brandos mas nem por isso mais fáceis de se viver:  um casamento ruim, um filho rompido com pai, traição, falta de dinheiro, separação.
A esperança é que a luz um dia se acenda, clara como uma cápsula salva-vidas, Fênix renascendo das próprias cinzas.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Você não é de ferro

Pra você que acordou com as galinhas.
Trabalhou feito cão.
Teve um dia normal. Um dia difícil.
Um dia duro ou sem sal.
Pra você que fez bonito. Fez amor.
Fez arroz temperadinho.
Pra você que bateu ponto. Bateu o carro.
Quebrou a cabeça.
Pra você que chorou. Brigou. Amarelou.
Pra você que malhou o corpo e a mente.
 Largou mão da teimosia.
Sentiu sono. Cólica. Azia.
Pra você que assobiou e chupou cana.
Enfrentou o chefe. Ficou de castigo.
Ficou "p" da vida.
Pra você que é de carne e osso
e tem um coração batendo aí no peito:
toma um banho de estrela, faz um chá de hortelã,
pega seu livro de cabeceira.
Boa [bocejando] nooooite!...

domingo, 3 de outubro de 2010

Perdas e Ganhos

Semana passada participei do Programa Caleidoscópio, da TV Horizonte, quando conversamos sobre o tema "Perdas e Ganhos" (aliás, o nome de um livro belíssimo da Lya Luft).
Deixo aqui alguns trechos do programa (http://videolog.tv/video?582458)  e uma pequena reflexão para você:
* Perder dói, mas faz parte da vida.
* É preciso viver o luto.
* É preciso saber ganhar.
* Você pode até procurar receitas de bolo e fórmulas mágicas para enfrentar a dor, mas a resposta está dentro de você.
* É fazer do limão uma limonada. Bem docinha, com leite condensado e canudinho enfeitando o copo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

"Merda"!

Calma. Já já você vai entender o título do post. E ele tem a ver com a minha grande amiga Cris, irmã de alma, fada-madrinha, ponto de luz na minha vida.
Estudamos juntas desde os 10 anos de idade, fomos vizinhas de janela, confidentes de plantão, companheiras de viagem. Hoje somos comadres, mães de família, cúmplices da mesma jornada.
Pois quando ainda era um pingo de gente a Cris resolveu mostrar seu talento ao mundo, e virou atriz. Foi Wendy no Peter Pan, arrasou no "Eu te amo ditadura", mostrou a que veio no recente "Desventuras de um descasado". É assim que orgulhosamente a chamamos: "Cris, a atriz."
No dia da estréia do Peter Pan, em plena aula de matemática, a danada me tira um pacote de bala chita da bolsa e começa a mastigar, uma atrás da outra. Disse que era pra aliviar a ansiedade. Dá-lhe bala chita. Desejei-lhe boa sorte. Ela me corrigiu: "Merda, Rê. É assim que a gente deseja boa sorte no teatro."
Pois hoje, inspirada na Cris e na felicidade que é ter bons amigos na vida, desejo toda a sorte do mundo para você que vai fazer vestibular; participar da entrevista de emprego; subir no palco; mudar de país; encontrar aquele moço bonito; defender a tese de mestrado; fechar um contrato milionário;  fazer exame de rua pela pela sétima vez;
................................................................................
"Merda"!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pro mundo girar mais leve.

Acho que já falei aqui do trabalho que faço (que tenho a alegria de fazer) com o Grupo de Terceira Idade Bem Viver, do Olympico Clube. Uma vez por mês me encontro com as minhas "meninas" e conversamos sobre os diversos temas da vida - alegria, tristeza, perdas, mudanças, etc.
Atualmente estamos "estudando" o best seller "Presente do Mar", de Anne Morrow Lindbergh. O livro fala de uma mulher (a própria Anne) que fica um tempo na praia, sozinha, descobrindo na conchas uma bonita analogia com a própria vida.
Esta semana conversamos sobre o capítulo Solitude, da Concha-Lua. Três pontos ficaram marcados no nosso doce encontro:
1) Ficar sozinho com você mesmo(a) (especialmente se você for uma mulher) é presente dos mais preciosos; um momento raro que você precisa aprender a desfrutar.
2) A mulher sabe doar como nunca. O paradoxo é que ela doa, doa, doa e muitas vezes se ressente disso. O exemplo mais lindo de doação feminina é a mãe amamentando o filho. Quanto mais ela dá o peito, mais leite a criança tem. Mas é preciso arroz e feijão pra dar conta do rojão.
 3)  Sua vida pode ser uma grande roda gigante. Cada carrinho uma pessoa especial: parceiro(a), filhos, familiares, amigos. Mas você é o eixo que roda sereno e inteiro, compartilhando com cada um deles a beleza do céu, do chão e do mar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Loucura

Aí um dia você acorda e descobre que não é nada daquilo que você quer. A cama, o bom dia, o dia. As escolhas, os sabores, o cartão de ponto. Aquela mulher, aquele patrão, aquela sua velha mania de procurar explicação em tudo. 
E aí você arruma a mala, pega a bússola, monta na bicicleta e sai por aí, sem rumo nem prumo, sem fome ou hora de chegar.
Joga os remédios fora. Não lê o horóscopo. Rabisca um bilhete na geladeira.
Uns dizem que você é radical. Outros te chamam de louco. Mais um pouco inventam uma patologia que te enquadre nessa sua decisão impulsiva (ou há muito tempo pensada, quem sabe) de jogar tudo pro alto e ir vender sanduíche na praia. Ou armar barracas na lua. Ou assumir que é perua. Ou casar com um japonês. Pintar quadros como Picasso, talvez. Ou sair correndo daqui, deste blog que hoje amanheceu doidinho.

sábado, 18 de setembro de 2010

Jardim Zen

Planto ideias dentro de mim.
O sol nasce todo dia,
A chuva molha a terra,
Floresce jasmim.

Enterrar semente,
Brotar espera,
Pegar na enxada,
Emoção de primavera.

Água.
Vento.
Terra.
Tempo.

Me encontro nas raízes.
Busco o descanso da sombra. 
Cultivo sonhos.
Leio poesia nas mãos do jardineiro.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mal-humor

Limão capeta.
Sorriso morto.
Ovo virado.
Osso.
Birra.
Tromba.
Fome.
Nuvem negra.
Cão chupando manga.

O mal-humor contamina.
Emburrece.
Petrifica.
Tira todo o sabor.
Xô.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Medo de amar

"O medo de amar é não arriscar..."
Foi com essa música do Beto Guedes na cabeça que conversei quarta-feira com uma repórter do MGTV (http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1333294-7823-PSICOLOGA+DA+CONSELHOS+PARA+QUEM+TEM+MEDO+DE+AMAR,00.html).
O tema da matéria - Medo de Amar - rendeu uma boa horinha de papo e reflexão, e confirmou algumas coisinhas importantes:
1) Amor rima com dor. (Por mais paradoxal que isso possa parecer.)
2) Tenho ouvido com frequência a palavra medo. Medo de errar, medo de acertar, medo também de amar. Logo amar, que é uma coisa tão boa. Sim, mas não é um mar de rosas, você já deve saber. Tem espinhos que ferem, machucam, deixam marcas. O medo de amar muitas vezes diz respeito ao passado - ao trauma de ter sido rejeitado(a), traído(a), trocado(a).
3) O medo de amar também sinaliza uma dificuldade de se entregar. Se essa entrega não é correspondida, dói. Dói muito.
4) Zerar as expectativas não tem jeito. Mas dá pra diminuir a dose e ficar mais pé no chão. Quanto maior a expectativa, maior o tombo.
5) Existe frio na barriga, medo, medo medonho. Quando chega nesse nível, a luz vermelha acende. Sinal de alerta, hora de olhar pra dentro e expurgar os fantasmas que ocupam tanto espaço dentro de você.
6) A vida é curta. Encontre a chave da prisão e vai amar. Como diziam os Beatles e a minha afilhada Deborah não cansa de repetir (outro dia vi isso escrito em letras garrafais no quadro negro lá do sítio), "all we need is love".

terça-feira, 7 de setembro de 2010

De vó em vó

Minha vó morreu quando eu tinha quatro anos. Cresci sem entender a ausência daquela que enchia a minha vida de luz, presença e rima.
Para a idade que tinha, me lembro de muita coisa: do chinelo azul cinco números maior, com que eu desfilava pela casa inteira; do quintal florido de hibiscos; das sextas-feiras em que ia dormir lá e ela deixava o meu avô para adormecer comigo - ela na cama e eu na bicama. (Até que um dia acordei e a cama estava vazia - ela havia ido ao médico para tratar do câncer e eu, como que num pressentimento ruim, tive uma crise de choro que ninguém soube explicar.)
Não me esqueço das vezes em que a vovó Bella vinha me buscar no seu fusquinha azul e me levava para passear no velho e bom Mercado Distrital. Sentada no carrinho de compras, os pés balançando, me sentia na Disney quando ganhava o já tradicional pirulito alaranjado, feito de puro açúcar. Também me lembro com nostalgia do bombom Alpino, que lambia até derreter.
Dizem que dela herdei muitas coisas - o sorriso, o olhar, a paixão pelo piano, a compostura. Mas a mais preciosa herança de todas foi a filha dela, minha mãe, que neste exato momento encontra-se com o meu filho em plenas Serras Gaúchas, comendo fondue de chocolate e fazendo a maior farra num friozinho de sete graus.
Apaixonada que é por viajar, vovó Clara já levou o Léo pra Diamantina, Patagônia, Serra do Caraça e agora Gramado, tchê!.. Apenas os dois, companheirinhos de quarto, céu e estrada, numa sintonia que só pode ser de outras vidas.
E quando a mãe aqui liga pra matar saudade, ele é prático e objetivo, não tem tempo a perder:
- Oi, mãe, um beijo, tchau!
Se eu, que já rodei o Mercado Distrital e não troco essa experiência por nada deste mundo, imagina o Léo, perito que está ficando no assunto. (Ai dele se esquecer meu chocolate.)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Papo-cabeça

Léo na hora do almoço:
- Mãe, tenho que fazer uma pesquisa sobre profissão.
- Que que é "pofissão", mãe? -  Bella entrando na conversa.
- Profissão é o meu trabalho, filha.
- "Pofessora"?
- Isso mesmo! E psicóloga também.
- Que que é "cóloga", mãe?
- É alguém que ajuda as pessoas, escuta seus problemas...
- Que que é problema?
..............................
Ah, minha filha, nem queira saber.
Vai brincar, vai.
Vai viver sua alegria encantadora, seus ursos de pelúcia, sua dança e sua rima.
Vai viver sua meninice, seus contos de fada e histórias de Três Porquinhos.
Por enquanto seu choro é de sono, colo, leite quentinho.
E eu nem preciso ser adivinha para saber o que o(a) caro(a) leitor(a) está pensando:
"Eu era feliz e não sabia..."

domingo, 29 de agosto de 2010

Quem faz terapia não é doido

Para homenagear o Dia do Psicólogo, a Assessoria de Imprensa da Estácio me pediu para escrever um artigo com o tema acima.
Resolvi  homenagear o cliente - aquele que procura um consultório de psicologia não por loucura (até porque o louco não tem discernimento para procurar ajuda), mas por necessidade, vontade, angústia, dor que não pára de doer.
Dói a solidão, o medo, o trabalho incessante. Dói a desilusão amorosa, a falta de emprego, a ausência dos pais. Dói estar consigo mesmo e se deparar com questões aparentemente impossíveis de responder. Dói se olhar no espelho e ver uma imagem muito distante daquela que se idealizou.
“Problema de cabeça”? Ou problemas que lotam a cabeça? Problemas de todos os tipos, formatos, tamanhos. (Afinal, quem é que não tem problema?) Faz parte da vida sofrer, doer, crescer. Mas esse processo pode ser menos doloroso e confuso quando a pessoa olha para dentro de si e acaba se enxergando. “Muito prazer, eu sou essa senhora que o luto tomou.” “Muito prazer, eu sou esse menino que não quer crescer.” “Muito prazer, eu sou a mulher que ainda não se encontrou.”
Os problemas vão e vem. Não escolhem sexo, idade, raça ou religião. Simplesmente entram na vida de cada um sem pedir licença, arrombando a porta. E se terapia é loucura, as mulheres ganham na “camisa-de-força”. Usam sua sensibilidade e seus hormônios à flor da pele para chorar suas dores, vivenciar seus terrores, enfrentar mudanças. O homem ainda é mais resistente, até porque aprendeu que “homem não chora”. (E o que não falta no consultório é caixa de lenço.) Mas até essa realidade vem mudando. Os homens estão aprendendo a chorar.
Conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo para mudar o rumo da própria história e seguir seu caminho, feliz. De bem com a vida. Com auto-estima. Com gosto de desfrutar os pequenos momentos da vida, aprendendo a conviver com os momentos que não se pediu para viver.
Haja coragem. Haja vontade. Haja disposição para fazer essa travessia ao encontro de si mesmo e se deparar com verdades que muitas vezes não se quer enxergar.
Eu também já fui cliente um dia. É por isso, inclusive, que carrego a mão nesta homenagem.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dá vontade de congelar

Quando se tem filhos, esse comentário é ouvido inúmeras, repetidas vezes: "Nossa, como ele/ela cresceu!... O tempo voa, né?"
É. E cada vez que eu ouvia isso em relação ao Léo, não conseguia esconder meu desejo secreto: "Ai, dá vontade de congelar!..."
Pois então. De tanto espalhar essa frase aos quatro ventos, um dia fui chamada na escola. A professora me disse, delicadamente:
- Parece que o Léo não quer crescer. Trabalhem mais a autonomia dele, deixem ele fazer as coisas sozinho...
Toin-oin-oin-oin-oin...
Já disse isso aqui: cuidado com o que você pede, pois você pode conseguir.
Parei de falar a tal frase-síndrome de Peter Pan, mas outro dia esbarrei com a música do Toquinho, "Menininha" (ttp://letras.terra.com.br/toquinho/87397/ ) e não me contive. Pus a Bella no colo e dançamos uma valsa inteira, olhos nos olhos, eu com um forte desejo secreto de que a minha menininha também não crescesse. Ao final da música, óbvio que pelo tanto de vezes que se ouve a palavra "bicho-papão", ela soltou essa:
- Assustadora essa música, mamãe!...
- É, filha. Assustadora mesmo...

domingo, 22 de agosto de 2010

Dor de esTUDO

Hoje tá doendo tudo lá em casa.
Tem dor de barriga, dor de dente,
dor de pé, dor de cabeça,
dor de sono, dor de tudo e mais alguma coisa.
Estou ensinando o Léo a estudar pras provas.
Dói cada vez que ele  abre o livro.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Esconde-esconde

Onde é que foi parar o brilho dos seus olhos?
Sua força para escalar montanhas e atravessar rios gelados?
Sua energia de criança, onde é que foi parar?
Só quer cama. Chão. Sombra. Lado de dentro.
Não responde. Não vê graça. Não quer mais brincar.
Em que armário trancado se escondeu a sua alma?
Quem é que sequestrou seus sonhos?
Suas lembranças tão cheias de vida.
Suas estrofes de poesia.
Pede ajuda pra São Longuinho.
Dá três pulinhos.
Põe sua roupa mais bonita.
Tem muita vida lá fora.
Vai se encontrar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Não tem preço

Aprendi a gostar de cachorro com a minha irmã Tatiana. Veterinária de mão cheia, especialista em ultrassonografia, acabou me dando três sobrinhos de estimação: Pipoca, Nick e Nina.
Apesar de paparicar igualmente os três, confesso minha predileção pela Pipoca: uma Bassê preta  com olhos de gente, desses olhos de ternura e lealdade que matam a gente.
O Léo - bobo que não é -  também já percebeu isso, e ontem soltou mais uma das suas. Foi dormir na casa da minha mãe, junto com a "Ta Tati" e os três cachorros, e me ligou de lá todo satisfeito:
- Mãe, vamos comprar a Pipoca? A Ta Tati vende pra gente!...
- É mesmo, Léo?! Por quanto?
Ele repassou a pergunta para a tia, que estava por perto:
- Quanto mesmo, Ta Tati?
- Não tem preço, Léo...
- Oba! É de graça, mãe!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A vida continua

Um dia, enfim, ela resolveu amar de novo. Juntou os cacos, molhou a terra, transformou rascunho em poesia.
Fazia sol lá fora. Fazia sol lá dentro. A música já não era desafinada. O choro já não doía tanto. 
Abriu  a porta, estranhou a claridade, esperou o trem passar. Deu bom dia ao vizinho, riu sozinha, deu o ar da graça.
Há muito tempo não se sentia assim, tão inteira.
Limpa, sem poeira, sem eira nem beira.
Decretado o fim do luto, o recomeço da vida, a continuidade de sua existência.
E veio flor da terra. Emoção da poesia. Dança da música. Passageiro do trem. Vida do luto.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ele é o cara (metade)

Ontem eu passei uma tarde agradável na Praça da Liberdade, participando de uma gravação para o MGTV (http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1314691-7823-DIA+DOS+PAIS+DEVE+SERVIR+PARA+COMEMORAR+A+PRESENCA+DELES+NA+VIDA+DOS+FILHOS,00.html. ) O tema? Dia dos Pais. O enfoque? A cumplicidade entre pais e filhos.
Como diz o velho ditado, "não basta ser pai. Tem que participar." E aí a repórter queria saber se essa participação vem aumentando nos últimos tempos. Se a cumplicidade hoje é maior. Se essa presença é importante, entre outras tantas perguntas.
Foi bom ouvir, nas minhas próprias respostas, a constatação de que sim, essa participação aumentou. O pai de hoje (sem excluir os de ontem, que também faziam por onde) troca fraldas, dá banho, acorda de madrugada. A boa notícia é que isso vem ocorrendo não por imposição, muito menos regra. É claro que os homens têm percebido uma necessidade de ajudar as mulheres na criação dos filhos. (Elas, de cuidadoras, passaram a exercer também o papel de provedoras. Acordam cedo e vão trabalhar fora, pegando no batente feito gente grande.) Mas o provedor oficial passou a sentir, acima de tudo, uma demanda de prover também os cuidados essenciais. E faz isso com gosto, com afeto, com a emoção de zelar por um pedaço seu. O filho precisa desse afeto. O filho pede esse afeto. Não é porque ficou nove meses na barriga da mãe e mamou no seu peito que a presença paterna será menos importante. Você, como filho(a), sabe disso:  é a parte inteira de duas metades.
Eu espero que você tenha tido um Feliz Dia dos Pais. Regado a beijos, abraços, café na cama, cartões apaixonados, família reunida, panelada de frango e cantoria. Tem quem diga que este é apenas um dia comercial. Eu prefiro dizer que é o dia oficial de dizer "eu te amo" para aquela metade essencial que presenteou você com a vida.

PS: Se o seu Dia dos Pais foi regado a saudade, ainda assim você terá prestado sua homenagem. O amor transforma distância em encontro, ausência em presença, separação em abraço.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Presente

Apesar de já ter trocado de empregada uma centena de vezes (ô carma difícil, sô), dei a sorte de encontrar dois anjos que praticamente viraram parte da família: a Selma (Selminha, "Titia"), que ficou comigo oito anos e teve que voltar pra roça; e a Celma, com C, que veio pra quebrar o galho e acabou plantando um jardim inteiro. Foi babá da Bella, virou nossa passadeira e duas vezes por semana é recebida com o maior carinho do mundo.
Ontem o Léo soltou essa com ela:
- Celma, você nunca - NUNCA - precisa me dar um presente.
- Não, Léo? Mas por quê?
- Porque você já é o meu presente...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Adole-scente

Um dia os filhos crescem. Resolvem dar seus rolés pelo mundo. Jogam fora seus relógios quando têm hora para chegar. Reinventam a roda. Confrontam os pais. Jorram hormônios. Comem demais. Comem de menos. Vazam. Ficam. Pegam. Enxergam espinhas no espelho. Perdem o rumo. Andam em bandos. Debandam. Trancam-se no quarto. Passam no vestibular. Sofrem com suas escolhas. Arrumam as malas. Nova Zelândia, Paris, Sabará. Sonhos. Beijos. Chicletes. Sexo, drogas, rock and roll. Aula de inglês, francês, espanhol. Música no talo. Indefinição. Nem criança nem adulto: adolescente. Que sente falta. Que sente raiva.  Que sente medo. Que sente prazer. Que sente angústia, cólica, dor de dente. Adole-scente.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O som que vem do amor

Antes mesmo de eu nascer, a música já fazia parte da minha vida.  As primeiras contrações da minha mãe começaram em um concerto de Chopin, tendo meus avós maternos como testemunhas dessa emoção. Foi o meu jeito de aplaudir, de pedir pra nascer.
Fui estudar piano, influenciada pela lembrança da minha querida avó Bella. Conheci o amor através das sonatas de Schumann. Chorei com "Jesus alegria dos homens". Embalei os meus filhos com a poesia de Mozart.
Troquei o piano por esse teclado aqui.  Minha professora virou cunhada, madrinha, fada-madrinha.
Semana passada fui assisti-la em um concerto comemorativo dos 200 anos de Chopin e Schumann. Dessa vez não pedi pra nascer. Agradeci por viver, por presentear minha alma com o piano de Rosiane Lemos e o violoncelo de Kayami Satomi. Eu que amo a escuta desde sempre, me emocionei com o diálogo harmonioso, tocante desses dois instrumentos, desses dois talentos. Escutei o amor - esse amor que é falado, compartilhado, melodiosamente suplicado.
Até se casar com ela, Schumann viveu por Clara um amor proibido - declarado nas suas cartas e na composição das Cenas Infantis. Os nomes dados a estas pequenas peças traduzem um muito dessa história de amor: "Jogo da cabra-cega", "Desejo de criança", "Completamente feliz", "Grande acontecimento", "Quase demasiado sério", "O poeta fala".
Sim, meu caro Schumann. O poeta fala, ama, sofre, canta e encanta. A gente escuta e por vezes responde.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Fim de férias

Desarrumar as malas.
Abrir as cartas.
Arrumar a casa.
Fazer unha. Sacolão. Açougue. Supermercado.
Pilates. Hidro. Orçamento do armário.
Consertar o ferro de passar roupa.
Programar o despertador.
Buscar o edredon.
Preparar as aulas.
Botar a cabeça pra funcionar.
Trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Fazer valer. Pôr sentido.
Abraçar a rotina.
Programar as próximas férias.

domingo, 25 de julho de 2010

Férias

Pausa no despertador.
Bem-te-vi na janela.
Altas pra dieta.
Camarãozinho frito.
Internet fora do ar.
Mergulho no livro.
Câmera lenta na correria.
Ataque ao carrinho de picolé.
Rotina pelo avesso.
Pegar jacaré.
Castelo de areia. Água de coco.
Karaokê. Milho verde. Cafuné.
Quem não quer?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Delícia de encontro

Escrevo para você enquanto espero meu risoto de brie com damasco na Bendita Gula Gourmet. Hoje a correria não me deixou almoçar em casa.
Enquanto espero, escrevo. Enquanto escrevo, espio as pessoas olhando com curiosidade para mim. É como se os olhares dissessem: "Coitada... Sozinha..."
Não imaginam que eu estou pensando: "Delícia... Sozinha... Curtindo meu risotinho, tomando uma Coca Zero com gelo e limão...."
Confesso que deixei uma mensagem pra minha amiga Tiça me encontrar, entre uma amamentação e outra, se o Davi deixar. Adoraria meia horinha de prosa com a minha amiga de velhos e novos tempos mas, se não der, tudo bem. Nenhum "Deus nos acuda". Nenhum  bicho de sete cabeças.
Gosto de estar comigo. Aprendi isso com a minha mãe que, apesar de adorar gente e apreciar uma boa companhia, adora ficar com ela mesma.
Uma senhora não tira o olho do meu prato. Vem em direção à minha mesa e pergunta:
- Que arroz é esse? Hum, adoro damasco!... Outro dia eu peço, não dá pra ir ao médico de  barriga cheia...
Na metade do risoto, peço uma saladinha napolitana, trocando o tomate seco por tomate normal, "molhado", como veio ao mundo. Adoro tomate. Adoro damasco. E adoro me encontrar comigo, escutar o meu silêncio e os meus pensamentos, ficar em companhia de mim mesma. Acho saudável, necessário, bom pra relação que tenho com a Renata que mora em mim.
E você, tem marcado encontros com você?

domingo, 18 de julho de 2010

Papo de princesa

Ontem a Bella teve (mais um) ataque de paixão pelo pai, referendado pelos Contos de Fadas.
- Mãe, eu sou a Rapunzel, você é a "Banca" de Neve e o papai é o meu "píncipe" (!).
- SEU príncipe? E quem vai ser o MEU príncipe?
- O Léo, ué.
- Quem mais está nessa história?
- A vovó "Caia" é a "Cindelela", a TaTati é a Bela Adormecida e a Ana "Caia" é a "buxa"!...
....................................................................................
PS: Ana  Clara é a minha afilhadinha de 4 meses, princesa que ganhou o trono e os ataques de ciúmes da Bella.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Drama

Ontem foi o último dia de aula das crianças. Na saída da escola, encontro um Léo vermelho, suado, completamente emburrado, com uma medalha "de prata" na mão. Foi logo rasgando o verbo:
- Hoje foi o pior dia da minha vida.
- O que aconteceu, Léo?!
- Meu time perdeu a Copa.
- Ué, Léo, acontece.... O Brasil também não perdeu?
- Droga, eu não sou um craque de futebol.
- Claro que é, meu filho. O Brasil é um campeão e também perdeu... Futebol é assim mesmo: um time ganha, o outro perde. O importante é competir...
********************************************
À tarde saí mais cedo do consultório e fomos, os três, comemorar o último dia de aula com um lanche gostoso, em um café-livraria. A farra não podia ser melhor: biscoitão de queijo,  chocolate quente, minipizza, suco de uva, biscoitinho de chocolate e livros, muitos livros coloridos pra gente ler nas férias. Sem falar na música, na alegria e sintonia dos dois. Quando saímos de lá o Léo me disse:
- Retiro o que disse, mãe. Hoje foi o melhor dia da minha vida.
..................................................................................

"Cartas para Julieta"

Acabo de voltar da Itália. Olhos brilhando pela exuberante Verona de Romeu e Julieta, uma voltinha por Siena, paisagens de cartão postal, se isso for sonho não me acorda.
Na verdade, acabo de voltar do cinema. Aguada que estava por uma tela daquele tamanho, com direito a pacotão de pipoca e uma companhia de deixar Romeu no chinelo, fui ver "Cartas para Julieta".
Se você ainda não viu, recomendo. Não pelo filme em si, que é bastante previsível, romântico, hollywoodiano. Mas pela Itália que adentra a nossa alma, pela casa de Julieta que nos remonta ao amor trágico e pela ideia que permeia o filme: mulheres de coração partido deixam cartas para Julieta  no muro de sua casa. Cartas estas que são recolhidas diariamente por funcionárias da prefeitura de Verona, respondidas e enviadas pelo correio às respectivas destinatárias. Cartas de mulheres que amam demais, sofrem demais, buscam desesperadamente pelo amor perdido. E assim, entre dores e amores, o muro de Julieta vai se transformando em "Muro das Lamentações".
Por um instante, me vi em Verona lendo as cartas dessas mulheres e respondendo uma a uma, juntando minha paixão por escrever com a minha paixão em ajudar as pessoas.
Nas horas vagas um bom vinho, queijos, um belo fettuccine, capuccino cremoso e, pra completar, a legítima pizza italiana.
É, até que um servicinho desse não seria nada mau.