segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Motivo nenhum

Não era seu aniversário. Nenhuma data especial, nenhum evento extraordinário no calendário.
Nada importante a comemorar, a não ser a própria vida.
SUA vida, inteira e simplesmente.
Passou numa floricultura, saiu perfumando a rua.
Passou no salão, marcou um spa de pé.
Passou a mão na bolsa, foi namorar vitrine.
Lingerie, boulangerie, sortie.
Saiu de fininho, à francesa,
de um relacionamento há algum tempo engessado.
Entrou na delicatessen e sorveu o perfume dos vinhos. Delicadamente.
Degustou queijos, cerejas, licores.
Pôs no carrinho. Pôs-se a caminho.
Ligou o carro, seguiu em frente
com "As quatro estações" de Vivaldi.
Tocou o celular, não ouviu. Nona chamada não atendida
do moço que deixara a relação de pé quebrado,
com vários ligamentos rompidos. Doídos.
Levada pelo som vibrante dos violinos, seguiu em frente,
sentindo-se pela primeira vez regente da sua vida.
Chegou em casa exausta de alegria.
Tomou um banho de espuma, espalhou velas pela sala.
Risotinho esperando na panela,
vinho resfriando na adega.
Profusão de aromas, cheiros, temperos.
Combinações as mais variadas: cereja com queijo,
funghi com páprica, chocolate com pimenta.
No banheiro ainda tomado pelo vapor,
o celular registrava a décima quinta ligação perdida.
Toque de campainha. Vizinho do sexto andar,
como quem não queria nada, querendo tudo,
xícara vazia na mão pedindo
um cadinho de arroz arbóreo.
Trocou a xícara por uma taça de vinho.
Casa inteira perfumada de risoto a quatro mãos.

4 comentários:

  1. Renata,
    Belo texto. Gostei muito deste seu espaço.
    Volto todos os dias para correr os olhos e ver algo diferente como "não queria nada, querendo tudo". :))
    Ótimo visual do blog, dinâmico e inteligente.
    Sucesso sempre, foco contínuo.
    Forte abraço.
    agamenonplait.blogspot.com

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  2. Muito obrigada, Agamenon, fico feliz com o seu feedback.
    Obrigada pela visita e volte sempre!
    Abração!

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  3. É Renata, quando nós nos presenteamos, abrimos espaço para outras conquistas.
    Amei o texto. E preciso confessar: me surpreendi com o final!
    Grande beijo, querida!

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  4. Também preciso confessar, Ana: quebrei a cabeça para chegar neste final. Que bom que você gostou! Beijos carinhosos, minha querida!

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